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Médico Veterinário (UFRRJ-1964). MS em Microbiologia (UFRRJ, 1971) e PhD em Sanidade Animal (UFRRJ, 1997). Produziu cerca de 150 trabalhos científicos: os primeiros relatos sobre Cryptococose felina; primeiros isolamentos do Pithyum insidiosum de equinos; Nefropatia micotóxica suína, Aflatoxicose em suínos; anticorpos monoclonais anti aflatoxina e citrinina e estudos experimentais sobre citrinina em suínos. Prêmio de Pesquisa Avícola “Prof. José Maria Lamas da Silva” “Comenda do Mérito Veterinário” Instituto de Veterinária da UFRRJ; Honra ao Mérito Veterinário CRMV-RJ e Professor Emérito da UFRRJ. Presidente da Sociedade Latinoamericana de Micotoxicologia, Presidiu o I Congresso Latinoamericano de Micotoxicologia, RJ. Implantou o Centro de Micologia e Micotoxicologia e o Curso de Mestrado em Microbiologia Veterinária da UFRRJ. Autor dos livros: “Micotoxicologia: perspectiva Latino-americana” e “Micologia Veterinária” Na UFRRJ foi Professor Titular de Micologia e Micotoxicologia. Atualmente é Professor Titular da Universidade Estácio de Sá, responsável pela disciplina de Micologia Veterinária.

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domingo, 12 de agosto de 2012


MICOLOGIA 4. 
Associações entre Malassezia pachydermatis com Proteus, Pseudomonas e Staphylococcus em otites externas em cães.



INTRODUÇÃO

Com base em suas características morfológicas, fisiológicas, nutricionais e moleculares, o gênero Malassezia foi dividido em sete espécies. Se considerarmos unicamente as necessidades nutricionais, estas sete espécies podem ser subdivididas em dois grupos: um constituido de seis espécies, todas lipofílico dependentes: M. restricta, M. sympodialis, M. furfur, M. slooffiae, M. globosa, e M. obtusa e o outro, que é lipofílico não dependente, somente com uma espécie, M. pachydermatis. As espécies lipídeos dependentes são incapazes de sintetizarem ácidos graxos de cadeia longa (contendo de 12 a 24 átomos de carbono), que são necessários à biossíntese de sua membrana celular (Guillot & Guého, 1995 e Guillot, Guého & Chermette, 1995).
Malassezia pachydermatis é um fungo leveduriforme não produtor de hifas ou de pseudo-hifas que pode ser encontrado tanto no conduto auditivo, como na pele de cães e de outros animais sadios e, com frequencia, é encontrado associado a otites externas em cães (Gustafson, 1960). Ao contrário das outras espécies do gênero, M. pachydermatis não exige lipídeos, mas o seu crescimento é estimulado quando ele se encontra disponível em altas concentrações como em peles muito oleosas, em conduto auditivo com excesso  de cerúmen e em meios de cultura suplementados com óleo vegetal. Há indicios de que   o seu crescimento também possa ser aumentado quando se desenvolve na presença de Staphylococcus (Fraser, 1961; Gabal, 1988; Nobre et al., 1998). O desenvolvimento de M. pachydermatis pode ser estimulado pela redução de microorganismos competidores devido ao uso indiscriminado de antibióticos. Estes, além de reduzirem a competição entre bactérias e fungos ao eliminar bactérias comensais, que competem com o fungo, também podem levar ao aumento da resistência bacteriana, quando aplicado de forma inadequada (Lobell, Weigarten & Simmons, 1988).   De acordo com Mason (1991), parece existir uma relação simbiótica entre M. pachydermatis  e Staphylococcus sp, podendo ocorrer uma ação conjunta entre estes dois microorganismos em dermatopatias. Sendo M. pachydermatis lipofílica, a presença de grande quantidade de lipídeos no conduto auditivo pode estimular a sua multiplicação (Huang, Littler & Fixter, 1993).
O papel da  Malassezia pachydermatis na etiologia de otites externas vem sendo discutido há muitos anos e, desde o início, tem sido motivo de muitas controvérsias, com o seu papel de agente causador de otites externas sendo contestado por alguns (Fraser, 1961), ou considerado importante por outros (Smith, 1968). Atualmente, não existem mais dúvidas quanto à participação deste fungo leveduriforme na etiologia das otites externas (Gabal, 1988; Huang, Little, & Fixter, 1993; Machado, Appelt, Ferreiro, & Guillot,  2003; Mansfield, Boosinger, & Attleberger, 1990; Nobre, 2001).


MATERIAIS E MÉTODOS

Material - Os animais, cães de diversas raças e idades, de ambos os sexos, domiciliados em diferentes bairros da cidade do Rio de Janeiro, não foram examinados diretamente pelos autores. Foram animais atendidos em diversas clínicas localizadas em vários bairros da cidade, os clínicos assistentes consideraram estes animais como portadores de alterações patológicas que justificavam a solicitação de análises microbiológicas com vistas à caracterização do agente etiológico e à realização de um antibiograma. Para isto, com o auxílio de swab estéril, na maioria das vezes, acondicionado em meios de transporte, foi coletado material ceruminoso ou purulento, do conduto auditivo de 342 animais e enviados ao nosso laboratório em Campo Grande, Rio de Janeiro (Labovet). Estes materiais apresentavam os mais diversos aspectos: incolor, marrom claro, marrom escuro, vermelho (com sangue), purulento, inodoro, com odor pútrido etc. Todos os materiais, após terem sido coletados, foram transportados sob refrigeração, e levados imediatamente por meio de transporte motorizado.

Citologia - Previamente ao cultivo, foi realizada uma citologia de cada material coletado, preparando-se um esfregaço através de um movimento rotatório feito com o  swab sobre uma lâmina de microscopia, previamente descontaminada na chama do bico de Bunsen. A coloração foi feita pelo método de Gram e a contagem de leveduras foi realizada em aumento de 1000 x, determinando-se o número médio em um total de 10 campos diferentes.

Cultivo – Considerando que a principal exigência nutricional da Malassezia está relacionada à dependência de ácidos graxos, diversos procedimentos podem ser empregados para cultivá-la, sendo o principal o emprego de meios de cultura adicionados de óleos vegetais (canola, soja, milho, girassol, oliva) para que se consiga bons crescimentos de todas as sete espécies. M. pachydermatis que é lipofílica, mas não lipodependente, pode ser cultivada nos meios de uso comum em micologia, como o meio de Sabouraud, acrescido de antibióticos como o cloranfenicol (Fig. 3). Neste meio, M. pachydermatis apresenta colônias redondas, convexas, foscas, de cor creme-amarelada e textura friável; o crescimento ótimo se dá à temperatura de 37°C em 48 a 72 horas. Podem ainda ser observadas colônias com dois diferentes fenótipos no que diz respeito ao diâmetro (grandes ou pequenas), ambas contendo células com as mesmas características microscópicas.
Para o cultivo de bactérias, cada swab foi mergulhado em 1 ml de solução salina estéril, seguindo-se agitação forte, para se obter  uma suspensão com o material presente no algodão do swab. Com uma alça de platina, uma gota desta suspensão foi semeada em placas de agar sangue, incubando-se em estufa a 37o C por 24 a 48 horas.


Fig. 3 - Cultivo de M. pachydermatis em meio de Sabouraud acrescido de óleo vegetal


Identificação das bactérias – A identificação dos isolados baseou-se nas características coloniais, morfologia microscópica (coloração de Gram), motilidade e em testes bioquímicos. 
Para o gênero Staphylococcus foram empregados os testes de hemólise, catalase, fermentação do manitol, prova da coagulase e DNAse. 
Para os Gram negativos foram empregados os Enterokits B e C, constituídos dos seguintes testes: fermentação de lactose, adonitol, provas de indol, H2S, urease, hidrólise da gelatina, utilização de citrato, desaminação do triptofano, descarboxilação da lisina, ornitina.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

No diagnóstico das otites externas, as análises citológicas, muito importantes na definição da etiologia, devem ser feitas com muito cuidado porque, em cerca de 35% dos materiais oriundos de animais sem história clínica de otite, podem ser encontradas leveduras com características morfológicas de M. pachyderrnatis. Por isso, houve necessidade de estabeler parâmetros que indicassem um estado de normalidade ou de um processo patológico em que houvesse o envolvimento da Malassezia. Tendências atuais indicam que M. pachyderrnatis poderá ser considerada como agente etiológico de otites externas quando, em um exame citológico, for observado um número médio superior a seis leveduras por campo de observação microscópica, considerado em relação ao uso da objetiva de 100x (Fig. 1 e 2.). Claro que este número não deve ser encarado como um parâmetro matemático único e absoluto, devendo haver uma correlação com alterações observadas em exames clínicos e até mesmo uma resposta positiva a um tratamento antifúngico específico. É importante também considerar que o papel dos microorganismos nas otites externas nem sempre é bem caracterizado, pois há casos em que a M.  pachydermatis é encontrada sozinha e outros em que ela vem acompanhada por bactérias. 



Fig. 1 - Citologia otológica de cão com otite externa: coloração de Gram. Aumento de 400x

Fig. 2 - Citologia otológica de cão com otite externa: coloração com Panótico. Aumento de 1 000x.

Alguns pesquisadores consideram que  Pseudomonas aeruginosa pode ter ação inibidora sobre a multiplicação da levedura, enquanto o Staphylococcus aureus, ao contrário, teria a propriedade de estimulá-la (Gabal, 1988; Nobre et al., 1998). Nossos resultados parecem confirmar, pelo menos em parte, estas observações visto que, Pseudomonas aeruginosa foi observada em 87 casos (71,1%) não associada com M. pachyderrnatis, ou em 98 casos (80,1%), se também computarmos aqueles casos em que o número de leveduras observado à citologia foi inferior a 5, índice considerado normal (até 5, em média por campo microscópico), em apenas alguns casos, o número de leveduras foi acima de 5 (24 casos ou 19,9%). Staphylococcus aureus foi encontrado em 51 casos (34,9%) sem a presença de leveduras ou em 81 (55,5%), acompanhado de até 5 leveduras e, em 65 casos ou 44,5%, havia a presença de número superior a 5 leveduras. Por estes resultados, parece haver por parte da Pseudomonas aeruginosa, uma influência inibitória sobre M. pachyderrnatis, mas o  efeito estimulador que o Staphylococcus  exerceria, não parece ser um fato, visto que somente em 44,5% dos casos ele estava associado com leveduras em número superior a 5.  Com relação ao Proteus spp, os resultados foram semelhantes aos que foram observados com Pseudomonas aeruginosa (Tabela 1). 



 
Referências

Frase, G. The fungal flora of the canine ear. J. Comp. Pathol., 71: 1-5, 1961
Fraser, G. Pityrosporum pachydermatis Weidman of canine origin. Trans. Brit. Mycolo. Soc. 44: 441-448, 1961.
Fraser, G. Aetiology of otitis externa in the dog. J. Small Anim. Pract. 6: 445-452, 1965.
Guillot, J. & Guého, E. The diversity of Malassezia  yeasts confirmed by rRNA sequence and nuclear DNA comparisons. Antonie van Leeuwenhoek, 67: 297-314, 1995.
Guillot, J. & Guého, E. & Charmette, R. Confirmation of the nomenclatural status of Malassezia pachydermatis. Antonie van Leeuwenhoek, 67: 173-176, 1995.
Gustafson, B.A. The occurrence of yeasts belonging to genus Pityrosporum in different kinds of animals. Acta path. Microbiol. Scannd. 48: 51-55, 1960.
Smith, J.M.B. The association of yeasts with chronic otitis externa in the dog. Aust. Vet. J. 44: 413-415, 1968.
Dantas Junior, J. V., de Araujo, P. R., Magalhães, W. G. & Cruz, L. C. H. Meio diferencial para o isolamento de Malassezia pachydermatis. Ver. Bras. Ci. Vet. 8 (3): 169-172, 2001.
Gabal, M. A. Preliminary studies on the mechanism of infection and characterization of Malassezia pachydermatis in association with canine otitis externa. Mycopathologia, 104: 93-98, 1988.
Huang, H. P., Little, C. J. L. & Fixter, L. M. Effects of fatty acids on the growth and composition of Malassezia pachydermatis and their relevance to canine otitis externa. Res. Vet. Sci, 55: 119-123, 1993.
Lobell, R., Weigarten, A. & Simmons, R. Um novo agente para o tratamento da otite externa canina. A Hora Veterinária, 88: 29-33, 1988.
Machado, M. L. S., Appelt, C. E., Ferreiro, L. & Guillot, J. Otites e dermatites por Malassezia sp. em cães e gatos. Clin. Vet., 8 (44) :27-34, 2003.
Mansfield, P. D., Boosinger, T. R. & Attleberger, M. H. Infectivity of Malassezia pachydermatis in the external ear canal of dogs. J. Am. Anim. Hospital Assoc., 26 (1): 97-100, 1990.
Mason, K. V. Malassezia: biology, associated diseases, and treatment. In Concurrent Session Notes, 12th Proceedings of the American College of Veterinary Dermatology, Las Vegas, 1996, pág. 1-18. 
Masuda, A., Sukegawa, T., Mizumoto, N. et al. Study of lipid in the ear canal in canine otitis externa with Malassezia pachydermatis. J. Vet. Med. Sci., 62 (11): 1177-1182, 2000.
Nobre, M. O., Castro, A. P., Nascente, P. S., Ferreiro, L. & Meireles, M. C. A. Occurrency of Malassezia pachydermatis and others infectious agents as cause of external otitis in dogs from Rio Grande do Sul State, Brazil (1996/1997). Brazilian J. Microbiol., 32: 245-249, 2001.
Plant, J. D., Rosenkrantz, W. S. & Griffin, C. E. Factors associated with and prevalence of high Malassezia pachydermatis numbers on dog skin. J. A. V. M. A., 201 (6): 879-882, 1992.
Raabe, P., Mayser, P. & Wei, R. Demonstration of  Malassezia furfur and M. sympodialis together with M. pachydermatis in veterinary specimens. Mycoses, 41: 493-500, 1998.








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