Micologia 3
Fungo mata milhões de morcegos e compromete a produção de alimentos.
Milhões e milhões de morcegos estão morrendo anualmente nos Estados Unidos. Desde o ano de 2006, quando foi descoberta a Síndrome do Nariz Branco ("WNS - White Nose Syndrome"), já teriam morrido cerca de 7 milhões de morcegos que habitam cavernas nas regiões mais frias do país. Trata-se de uma epidemia causada por um fungo psicrófilo (cresce melhor em ambientes frios) classificado como Geomyces destructans.
Geomyces destructans também tem sido encontrado infectando morcegos em diversos países europeus, mas sem apresentar a gravidade observada nos Estados Unidos. Por não ser letal, a infecção pode estar associada a uma cepa pouco virulenta do fungo.
Morcegos afetados
Nos Estados Unidos, o Geomyces destructans já foi encontrado infectando seis diferentes espécies de morcegos:
1) Myotis lucifugus - pequeno morcego marrom (algumas vezes chamado de pequeno myotis marrom);
2) Myotis septentrionalis - myotis do Norte de orelhas compridas; 3) Eptesicus fuscus - grande morcego marrom;
4) Perimyotis subflavus - morcego tricolor;
5) Myotis leibii - myotis oriental de pé pequeno;
6) Myotis sodalis - morcego indiano.
Cultivo do fungo em laboratório
O melhor crescimento do Geomyces destructans nos meios de cultura artificiais ocorre quando os cultivos são incubados preferencialmente a 15°C. Por serem psicrófilos, ele pode crescer entre 4°C e 15°C, faixa de temperaturas correspondente às observadas no microclima das cavernas onde ocorre a hibernação dos morcegos. Nenhum crescimento foi observado em temperaturas negativas ou acima de 25°C. Os meios de cultura mais utilizados para cultivar o fungo são o "agar batata dextrose" e o Sabouraud dextrose agar. Nestes meios, o crescimento do fungo, além de ser lento, é bem pequeno.
Hipóteses
Geomyces destructans é um fungo que se desenvolve melhor em baixas temperaturas (fungo psicrófilo) e em ambientes muito úmidos, características que são típicas das cavernas onde tem ocorrido a micose. Por isto, não foi nenhuma surpresa para os micologistas que a incidência da doença tenha sido maior nas cavernas mais úmidas e que apresentavam temperaturas entre 2 e 15 graus Celsius. Durante os períodos de hibernação, os morcegos reduzem sua temperatura corporal, aproximando-a da temperatura do meio ambiente e sua frequência cardíaca passa de 1000 bpm para cerca de 4 bpm. Desta maneira, o fungo não terá qualquer impedimento para invadir a superfície de seu corpo, infectando sua pele e as asas. Ao crescer na pele, nas asas e nas orelhas de morcegos, o Geomyces destructans penetra através do folículos pilosos e das glândulas cebáceas provocando o surgimento de pequenas úlceras na pele. Posteriormente, ele emerge na superfície da pele produzindo estruturas aéreas constituidas de hifas e pequenos conídios curvados, com a forma de feijões, na extremidade de conidióforos.
O desenvolvimento do fungo ao redor do nariz e sua penetração na pele poderia provocar um efeito irritante local, trazendo desconforto ao animal. Durante o inverno, os morcegos costumam hibernar, despertando por pequenos períodos a cada quinze dias, aproximadamente. Com o efeito irritante no local da lesão fúngica, os animais hibernam por períodos mais curtos, obrigando seu organismo a usar as reservas energéticas acumuladas na forma de gordura. Despertos, eles saem para caçar insetos que, durante o inverno, quase não existem. Não encontrando alimento para repor as energias perdidas, eles ficam cada vez mais enfraquecidos e não conseguem suportar os rigores do inverno, morrendo de frio e fome.
Little brown bats com a sindrome do nariz branco.
Credit: Photo courtesy Nancy Heaslip, New York Department of Environmental Conservation
Little brown bat com a sindrome do nariz branco
Credit: Photo courtesy Al Hicks, New York Department of Environmental Conservation
Little brown bat; Fungo na membrana da asa.
Credit: Photo courtesy Ryan von Linden/New York Department of Environmental Conservation
Little brown bat com a sindrome do nariz branco
Credit: Photo courtesy Ryan von Linden/New York Department of Environmental Conservation.
Little brown bat com a síndrome do nariz branco. Credit: Marvin Moriarty/USFWS.
Colônia de morcegos com a síndrome do nariz branco. Credit: Wil Orndorff, Virginia Department of Conservation and Recreation - Division of Natural Heritage
Sinais da infecção fúngica na orelha.
Credit: Photo courtesy Greg Turner, Pennsylvania Game Commission.
Credit: Photo courtesy Greg Turner, Pennsylvania Game Commission.
Little brown bat com a síndrome do nariz branco. Credit: Marvin Moriarty/USFWS.
Será tão simples assim?
Por que será, então, que isto não acontecia antes? Por que a doença só foi descoberta em 2006?
Afinal de contas, os morcegos agem da mesma forma desde que eles existem e, quanto tempo faz isso? Milhares de anos? Ou milhões? Eles sempre hibernaram e eles sempre modificaram sua fisiologia durante o inverno e sempre ficaram com seu corpo mais frio e com o coração mais lento durante o inverno.
E o Geomyces destructans, não existia até então? Não creio que ele tenha surgido assim do nada, ele sempre existiu, é claro, como os morcegos também sempre existiram. E vivendo juntos, no mesmo lugar e nas mesmas condições ambientais de hoje. Se os morcegos não mudaram e se o fungo também é o mesmo,
o que teria mudado, então?
Se o Geomyces destructans de fato é um fungo oportunista, como se acredita, alguma coisa, então, deve ter mudado em seu hospedeiro, o morcego.
Será que os morcegos não puderam se preparar adequadamente para suportarem o inverno, quando seu organismo necessita armazenar gordura para ser usada durante a hibernação? Pode ser, que nos dias atuais, quando se faz extensivas aplicações de inseticidas nas lavouras, haja menor disponibilidade de alimentos (insetos). Não conseguindo obter alimento em quantidade suficiente, sua massa corporal e, em especial, a camada de gordura extra, não atinge o nível ideal antes do período de hibernação e, desta maneira, seu organismo pode ter se tornado mais suscetível ao ataque do fungo.
E os inseticidas não poderiam ser, eles mesmos, tóxicos para os morcegos? Neste caso, a culpa não poderia ser dos inseticidas em si? Quem saberia dizer se um desses inseticidas que atualmente são aplicados nas lavouras não teria atividade imunossupressora? Neste caso, os morcegos intoxicados e tornados imunodeprimidos tornar-se-iam susceptíveis ao desenvolvimento de um fungo oportunista como o Geomyces destructans.
Implicações previsíveis
Como os morcegos insetívoros se alimentam de grandes quantidades de insetos, se houver uma drástica redução em suas colônias ocorrerá, de imediato, um considerável aumento na população de insetos no meio ambiente. Por causa da maior presença de insetos, as lavouras serão menos produtivas e haverá maiores riscos à saúde humana e animal, pois numerosas doenças infecciosas têm nos insetos os seus vetores de transmissão e disseminação.
Para conseguir manter os atuais níveis de produtividade nas lavouras e reduzir os riscos de ocorrência de doenças infecciosas e parasitárias que são transmitidas ao homem e aos animais através de insetos, o homem terá de fazer aplicações cada vez maiores de inseticidas químicos para conseguir controlar a população crescente de insetos. Isto poderá provocar um desastre ambiental de proporções inimagináveis em função do aumento da contaminação dos solos e, principalmente das águas dos rios e mares. Com mais inseticidas no meio ambiente, aves, batráquios e toda espécie de animais que se alimentam de insetos ou de sementes poderão morrer intoxicados., acelerando o processo de extinção de algumas das espécies mais sensíveis.
Referências
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