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Médico Veterinário (UFRRJ-1964). MS em Microbiologia (UFRRJ, 1971) e PhD em Sanidade Animal (UFRRJ, 1997). Produziu cerca de 150 trabalhos científicos: os primeiros relatos sobre Cryptococose felina; primeiros isolamentos do Pithyum insidiosum de equinos; Nefropatia micotóxica suína, Aflatoxicose em suínos; anticorpos monoclonais anti aflatoxina e citrinina e estudos experimentais sobre citrinina em suínos. Prêmio de Pesquisa Avícola “Prof. José Maria Lamas da Silva” “Comenda do Mérito Veterinário” Instituto de Veterinária da UFRRJ; Honra ao Mérito Veterinário CRMV-RJ e Professor Emérito da UFRRJ. Presidente da Sociedade Latinoamericana de Micotoxicologia, Presidiu o I Congresso Latinoamericano de Micotoxicologia, RJ. Implantou o Centro de Micologia e Micotoxicologia e o Curso de Mestrado em Microbiologia Veterinária da UFRRJ. Autor dos livros: “Micotoxicologia: perspectiva Latino-americana” e “Micologia Veterinária” Na UFRRJ foi Professor Titular de Micologia e Micotoxicologia. Atualmente é Professor Titular da Universidade Estácio de Sá, responsável pela disciplina de Micologia Veterinária.

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sexta-feira, 25 de maio de 2012

Micologia 3

Fungo mata milhões de morcegos e compromete a produção de alimentos.

Milhões e milhões de morcegos estão morrendo anualmente nos Estados Unidos. Desde o ano de 2006, quando foi descoberta a Síndrome do Nariz Branco ("WNS - White Nose Syndrome"), já teriam morrido cerca de 7 milhões de morcegos que habitam cavernas nas regiões mais frias do país.  Trata-se de uma epidemia causada por um fungo psicrófilo (cresce melhor em ambientes frios) classificado como Geomyces destructans. 
  Geomyces destructans também tem sido encontrado infectando morcegos em diversos países europeus, mas sem apresentar a gravidade observada nos Estados Unidos. Por  não ser letal, a infecção pode estar associada a uma cepa pouco virulenta do fungo.


 Morcegos afetados 

Nos Estados Unidos, o Geomyces destructans já foi encontrado infectando seis diferentes espécies de morcegos:
1) Myotis lucifugus - pequeno morcego marrom (algumas vezes chamado de  pequeno myotis marrom);
2) Myotis septentrionalis - myotis do Norte de orelhas compridas; 3) Eptesicus fuscus - grande morcego marrom; 
4) Perimyotis subflavus - morcego tricolor; 
5) Myotis leibii - myotis oriental de pé pequeno; 
6) Myotis sodalis - morcego indiano. 

Cultivo do fungo em laboratório  
O melhor crescimento do Geomyces destructans nos meios de cultura artificiais ocorre quando os cultivos são incubados preferencialmente a 15°C. Por serem psicrófilos, ele pode crescer entre 4°C e 15°C, faixa de temperaturas correspondente às observadas no microclima das cavernas onde ocorre a hibernação dos morcegos. Nenhum crescimento foi observado em temperaturas negativas ou acima de 25°C. Os meios de cultura mais utilizados para cultivar o fungo são o "agar batata dextrose" e o Sabouraud dextrose agar. Nestes meios, o crescimento do fungo, além de ser lento, é bem pequeno. 
Hipóteses

Geomyces destructans é um fungo que se desenvolve melhor em baixas temperaturas (fungo psicrófilo) e em ambientes muito úmidos, características que são típicas das cavernas onde tem ocorrido a  micose. Por isto, não foi nenhuma surpresa para os micologistas que a incidência da doença tenha sido maior nas cavernas mais úmidas e que apresentavam temperaturas entre 2 e 15 graus Celsius. Durante os períodos de hibernação, os morcegos reduzem sua temperatura corporal, aproximando-a da temperatura do meio ambiente e sua frequência cardíaca passa de 1000 bpm para cerca de 4 bpm. Desta maneira, o fungo não terá qualquer impedimento para invadir a superfície de seu corpo, infectando sua pele e as asas. Ao crescer na pele, nas asas e nas orelhas de morcegos, o Geomyces destructans penetra através do folículos pilosos e das glândulas cebáceas provocando o surgimento de pequenas úlceras  na pele. Posteriormente, ele emerge na superfície da pele produzindo estruturas aéreas constituidas de hifas e pequenos conídios curvados, com a forma de feijões, na extremidade de conidióforos. 
O desenvolvimento do fungo ao redor do nariz e sua penetração na pele poderia provocar um efeito irritante local, trazendo desconforto ao animal. Durante o inverno, os morcegos costumam hibernar, despertando por pequenos períodos a cada quinze dias, aproximadamente. Com o efeito irritante no local da lesão fúngica, os animais hibernam por períodos mais curtos, obrigando seu organismo a usar as reservas energéticas acumuladas na forma de gordura. Despertos, eles saem para caçar insetos que, durante o inverno, quase não existem. Não encontrando alimento para repor as energias perdidas, eles ficam cada vez mais enfraquecidos e não conseguem suportar os rigores do inverno, morrendo de frio e fome. 
Little brown bats com a sindrome do nariz branco.
Credit: Photo courtesy Nancy Heaslip, New York Department of Environmental Conservation

Little brown bat com a sindrome do nariz branco
Credit: Photo courtesy Al Hicks, New York Department of Environmental Conservation



Little brown bat; Fungo na membrana da asa.

Credit: Photo courtesy Ryan von Linden/New York Department of Environmental Conservation



Little brown bat com a sindrome do nariz branco

Credit: Photo courtesy Ryan von Linden/New York Department of Environmental Conservation.


Little brown bat com a síndrome do nariz branco. Credit: Marvin Moriarty/USFWS.

Colônia de morcegos com a síndrome do nariz branco.                                                                              Credit: Wil Orndorff, Virginia Department of Conservation and Recreation - Division of Natural Heritage

                          Sinais da infecção fúngica na orelha.
 Credit: Photo courtesy Greg Turner, Pennsylvania Game Commission.
Little brown bat com a síndrome do nariz branco. Credit: Marvin Moriarty/USFWS.

Será tão simples assim?
Por que será, então, que isto não acontecia antes? Por que a doença só foi descoberta em 2006?

Afinal de contas, os morcegos agem da mesma forma desde que eles existem e, quanto tempo faz isso? Milhares de anos? Ou milhões? Eles sempre hibernaram e eles sempre modificaram sua fisiologia durante o inverno e sempre ficaram com seu corpo mais frio e com o coração mais lento durante o inverno. 
E o Geomyces destructans, não existia até então? Não creio que ele tenha surgido assim do nada, ele sempre existiu, é claro, como os morcegos também sempre existiram. E vivendo juntos, no mesmo lugar e nas mesmas condições ambientais de hoje. Se os morcegos não mudaram e se o fungo também é o mesmo,
 o que teria mudado, então?
Se o Geomyces destructans de fato é um fungo oportunista, como se acredita, alguma coisa, então, deve ter mudado em seu hospedeiro, o morcego. 
Será que os morcegos não puderam se preparar adequadamente para suportarem o inverno, quando seu organismo necessita armazenar gordura para ser usada durante a hibernação?  Pode ser, que nos dias atuais, quando se faz extensivas aplicações de inseticidas nas lavouras, haja menor disponibilidade de alimentos (insetos). Não conseguindo obter alimento em quantidade suficiente, sua massa corporal e, em especial, a camada de gordura extra, não atinge o nível ideal antes do período de hibernação e, desta maneira, seu organismo pode ter se tornado mais suscetível ao ataque do fungo.  
E os inseticidas não poderiam ser, eles mesmos, tóxicos para os morcegos? Neste caso, a culpa não poderia ser dos inseticidas em si? Quem saberia dizer se um desses inseticidas que atualmente são aplicados nas lavouras não teria atividade imunossupressora?  Neste caso, os morcegos intoxicados e tornados imunodeprimidos tornar-se-iam susceptíveis ao  desenvolvimento de um fungo oportunista como o Geomyces destructans. 



Implicações previsíveis

Como os morcegos insetívoros se alimentam de grandes quantidades de insetos, se houver uma drástica redução em suas colônias ocorrerá, de imediato, um considerável aumento na população de insetos no meio ambiente. Por causa da maior presença de insetos, as lavouras  serão  menos produtivas e haverá maiores riscos à saúde humana e animal, pois numerosas doenças infecciosas têm nos insetos os seus vetores de transmissão e disseminação. 
Para conseguir manter os atuais níveis de produtividade nas lavouras  e reduzir os riscos de ocorrência de doenças infecciosas e parasitárias  que são transmitidas ao homem e aos animais através de insetos, o homem terá de fazer aplicações cada vez maiores de inseticidas químicos para conseguir controlar a população crescente de insetos. Isto  poderá provocar um desastre ambiental de proporções inimagináveis em função do aumento da contaminação dos solos e, principalmente das águas dos rios e mares. Com mais inseticidas no meio ambiente, aves, batráquios e toda espécie de animais que se alimentam de insetos ou de sementes poderão morrer intoxicados., acelerando o processo de extinção de algumas das  espécies mais sensíveis.  


Referências
  1. Blehert DS, Hicks AC, Behr M, Meteyer CU, Berlowski-Zier BM, et al. (2009) Bat white-nose syndrome: an emerging fungal pathogen? Science 323: 227. 
  2. Chaturvedi V, Springer DJ, Behr MJ, Ramani R, Li X, Peck MK, Ren P, Bopp DJ, Wood B, Samsonoff WA, Butchkoski CM, Hicks AC, Stone WB, Rudd RJ, Chaturvedi S (May 2010). "Morphological and Molecular Characterizations of Psychrophilic Fungus Geomyces destructans from New York Bats with White Nose Syndrome (WNS)". PLoS ONE 5 (5): e10783. 
  3. Courtin F, Stone WB, Risatti G, Gilbert K, Van Kruiningen HJ (2010) Pathologic findings and liver elements in hibernating bats with White-Nose Syndrome. Vet Pathol: 47(2): 214–219.
  4. Christen-Zaech S, Patel S, Mancini AJ (2008) Recurrent cutaneous Geomyces pannorum infection in three brothers with ichthyosis. J Am Acad Dermatol 58: S112–113. 
  5. Erne JB, Walker MC, Strik N, Alleman AR (2007) Systemic infection with Geomyces organisms in a dog with lytic bone lesions. J Am Vet Med Assoc 230: 537–540. 
  6. Gargas A, Trest MT, Christensen M, Volk TJ, Blehert DS (2009) Geomyces destructans sp.nov. associated with bat white-nose syndrome. Mycotaxon 108: 147–154. 
  7. Gianni C, Caretta G, Romano C (2003) Skin infection due to Geomyces pannorum var. pannorum. Mycoses 46: 430–432. 
  8. Martínková N, Bačkor P, Bartonička T, Blažková P, Červený J, et al. (November 2010). "Increasing Incidence of Geomyces destructans Fungus in Bats from the Czech Republic and Slovakia". PLoS ONE 5 (11): e13853. doi:10.1371/journal.pone.0013853. Retrieved 2010-12-30.
  9. Meteyer CU, Buckles EL, Blehert DS, Hicks AC, Green DE, et al. (2009) Histopathologic criteria to confirm white-nose syndrome in bats. J Vet Diagn Invest 21: 411–414. 
  10. Puechmaille SJ, Verdeyroux P, Fuller H, Gouilh MA, Bekaert M, et al. (2010) White-nose syndrome fungus (Geomyces destructans) in bat, France. Emerg Infect Dis 16: 290–293.
  11. Rice AV, Currah RS (2006) Two new species of Pseudogymnoascus with Geomyces anamorphs and their phylogenetic relationship with Gymnostellatospora. Mycologia 98: 307–318.
  12. Wibbelt, Gudrun; Kurth A.; Hellmann D.; Weishaar M.; Barlow A.; Veith M.; Prüger J.; Görföl T.; Grosche L.; Bontadina F.; Zöphel U.; Seidl H.-P.; Cryan P. M; Blehert D.S. (August 2010). "White-Nose Syndrome Fungus (Geomyces destructans) in Bats, Europe" (PDF). Emerging Infectious Diseases (Atlanta: Centers for Disease Control and Prevention) 16 (8). 
  13. Zelenkova H (2006) Geomyces pannorum as a possible causative agent of dermatomycosis and onychomycosis in two patients. Acta Dermatovenerol Croat 14: 21–25.

segunda-feira, 14 de maio de 2012


MICOTOXINAS. 5
Efeitos das micotoxinas sobre ruminantes (continuação)

Diagnóstico de micotoxicoses em ruminantes
Quando se compara as alterações clínicas e patológicas observados em intoxicações naturais com os resultados obtidos em intoxicações experimentais, verifica-se que nem sempre eles se equivalem. Quando se  aplica a metodologia científica em um processo investigativo, é necessário que as condições experimentais excluam toda e qualquer possível fonte de interferência nos resultados. Isto não acontece no ambiente natural. Em condições naturais, como se sabe, as coisas costumam ser diferentes porque outros fatores podem atuar, ao mesmo tempo, junto com a micotoxina. Isto significa dizer que os efeitos exercidos por uma certa micotoxina pode variar em função da co-existência de outros fatores que poderão interagir com ela.  Por esses motivos, o diagnóstico das micotoxicoses em ruminantes ou em outra espécie animal, nunca é tão simples de ser realizado, ele é sempre poderá ser complicado por uma ou outra razão:
1. o tempo de exposição à micotoxina nem sempre se repete quando em condições naturais;
2. é comum encontrar mais de uma micotoxina, ao mesmo tempo, num determinado alimento;
3. o grau de toxidez das micotoxinas depende, não somente de sua concentração nos alimentos mas, também, de sua associação com outros fatores estressantes;
4. os efeitos das micotoxinas estão correlacionados a diversos outros fatores que podem se interrelacionar entre si:
a) ao animal:  espécie, raça, idade, porte, sexo;
b) ao ambiente habitado pelo animal: estresse ambiental relacionado à temperatura, umidade relativa, contaminação ambiental com outras substâncias tóxicas, etc.
c) à co-existência de outras doenças agudas ou crônicas;
d) ao tempo de exposição à micotoxina e se a exposição foi contínua ou intermitente; 
e) à concentração da micotoxina ou das micotoxinas ingeridas pelo animal;
f) ao estado geral de saúde em que se encontra o animal no momento da exposição à micotoxina.
Nos alimentos fornecidos aos ruminantes, seja forragem (verde, feno ou silagens) ou cereais, sempre haverá a presença de estruturas fúngicas em sua superfície ou na intimidade de seus tecidos vegetais. Conídios de diversos gêneros podem ser encontrados antes, durante e após a colheita e também durante o transporte e armazenagem. Os conídios, que são elementos de propagação dos fungos, se materão inertes enquanto certos fatores fisico-químicos como a atividade de água, temperatura, pH, oxigenação e outros, forem mantidos em níveis abaixo do ideal para a sua germinação e crescimento das hifas. Evidentemente que o controle desses fatores não tem como ser realizado igualmente se os animais forem mantidos em pastagens naturais ou alimentados de outras formas. 
 A bovinocultura, talvez seja a criação de animais em que se observa a maior variação nos modelos de alimentação dos animais. Ainda que o sistema predominante  de criação no Brasil seja o pastoreio em pastagens naturais ou cultivadas, gradativamente, novas formas de alimentação vêm sendo introduzidas. Silagens de matéria verde e concentrados de grãos foram introduzidos em processos de criação intensivos ou semi-intensivos, principalmente nas regiões mais desenvolvidas do país.   Dessa maneira, quando bovinos são alimentados com pastagens e suplementados com silagens ou com concentrados de grãos, além das micotoxinas típicas das pastagens, os animais também poderão ingerir, ao mesmo tempo, outras micotoxinas. Dessa maneira novas doenças irão se manifestar com sintomas e alterações patológicas provocados pela associação de duas ou até mesmo mais micotoxinas. Se, até o momento, pouco se sabe sobre as principais micotoxinas e seus efeitos sobre as diversas espécies animais, o que dizer, então, dessas possíveis associações. Com os novos modelos de criação, tornou-se possível a ocorrência de associações entre micotoxinas  como por exemplo: ergovalina com aflatoxinas; ergovalina com roquefortina; ergovalina com ochratoxina; patulina com lolitrem; patulina com aflatoxina e muitas outras combinações que eram impensáveis e improváveis até há bem pouco tempo.
Micotoxicoses agudas e crônicas 
Na dependência da quantidade ingerida e do tempo de exposição à micotoxina, os efeitos observados podem ser imperceptíveis ou muito graves. A intensidade dos efeitos também pode ser maior em uma espécie do que em outra e mesmo um indivíduo pode ser mais sensível do que outros da mesma espécie. O quadro clínico também pode ser complicado pela ocorrência concomitante de duas ou mais micotoxinas em um mesmo alimento.
As micotoxicoses agudas se caracterizam pelo desenvolvimento de severas alterações clínico-patológicas resultando, muitas vezes, na morte de animais. Mesmo assim, elas nāo sāo as manifestações mais importantes. Intoxicações agudas podem ser muito graves, mas elas nāo sāo as mais comuns. Para que elas surjam é necessário a ingestão de elevados níveis de micotoxina, o que não é frequente. Altas concentrações provocam lesões hepáticas e renais, hemorragias devido a coagulopatias e fragilidade capilar, redução da metabolização e absorção de alimentos.  
Na maioria das vezes, a ocorrência de micotoxinas nos diversos tipos de grãos é em baixas concentrações. Por esse motivo, as intoxicações crônicas são mais comuns e, por isso mesmo, mais importantes do que as agudas. Nas intoxicações crônicas, a ingestão repetitiva de níveis baixos de micotoxinas pode provocar redução no consumo de alimentos, menor produção de leite,  menor ganho de peso corporal, diarréias repetitivas.
Efeitos também de grande importância, mas pouco perceptíveis, são os imunossupressivos com redução da resistência às infecções e parasitoses, maior susceptibilidade ao estresse e reduçāo da fertilidade. Trata-se de um conjunto de sintomas e sinais clínicos inespecíficos que, por isso mesmo, devem ser considerados como indicativos de provável correlação com micotoxinas. 
MICOTOXICOSES EM ANIMAIS HERBÍVOROS

Na maioria absoluta das vezes em que se discute o tema Micotoxinas/Micotoxicoses, não se aborda outra coisa que não esteja relacionada com as micotoxinas encontradas em cereais e oleaginosas. Quase ninguém se preocupa com as micotoxinas de ocorrência no campo. Não há estudos sistemáticos comparativos ou estatísticos que demonstrem a importância das micotoxinas de campo para a economia pecuária. 
Parece certo e evidente que as micotoxinas produzidas em grãos sejam as mais comuns e, portanto, mais importantes do que as produzidas no campo.
 Mas, será mesmo que no caso dos ruminantes isto é verdadeiro? 
Se a maioria desses animais se alimentam na maior parte do tempo em pastagens e unicamente de plantas, sem qualquer suplementação, é de se supor que as micotoxinas encontradas em pastagens  tenham  importância superior à daquelas que são encontradas em rações.  É importante salientar que análises laboratoriais de rotina costumam ser feitas somente para a detecção de micotoxinas em grãos e quase nunca em forragens, por isso, não há dados estatísticos sobre a ocorrência de micotoxinas em pastagens. Forragens costumam ser avaliadas por seu aspecto e por seu odor, características que não têm qualquer correlação com a presença de micotoxinas. Se análises não são feitas, é claro que não pode haver muitas informações sobre micotoxinas em forragens. 
Quando mantidos  em pastagens, os ruminantes  podem ingerir micotoxinas que podem estar presentes na matéria verde, em palhas secas, fenos e silagens. 
Durante o crescimento das plantas forrageiras, pode-se observar o desenvolvimento de três grupos distintos de fungos que atuam sobre as diversas partes da planta, com marcantes influências sobre cada uma das etapas de seu ciclo biológico e, em cada um destes três grupos, há espécies produtoras de importantes micotoxinas:
1. fungos patogênicos para plantas; 
2. fungos endofíticos;   
3. fungos decompositores de plantas mortas.


Alcalóides do ergot
Alcalóides tóxicos, os alcalóides do ergot, podem ser produzidos em plantas forrageiras e em espigas de cereais, por dois grupos distintos de fungos:
a) espécies do gênero Claviceps
b) por fungos endofíticos, principalmente os do gênero Neotyphodium que são encontrados em gramíneas como o azevém e a festuca.
a) FUNGOS DO GÊNERO CLAVICEPS 
Entre cerca de 50 espécies classificadas no gênero Claviceps, as mais frequentemente associadas com patologias em animais são C. purpurea (parasita de gramíneas forrageiras e cereais), C. paspali (desenvolve-se em Paspalum), e C. africana ( encontrada no sorgo). O mais importante dos três fungos é o Claviceps purpurea, conhecido por ser produtor de alcalóides tóxicos quando ele se desenvolve  em sementes de centeio (mais comum) e de outros cereais e gramineas forrageiras.
Para conseguir infectar uma planta, as estruturas  de  reprodução assexuada (conídios) do C. purpurea necessita entrar em contato com o estigma por isso, o fungo infecta sobretudo plantas de flores abertas como o centeio, o trigo e a cevada. Ao serem transportados por insetos, os conídios serão depositados no ovário da planta, quando germinarão produzindo hifas que destroem o ovário da planta e se unem ao feixe vascular que era usado para alimentar as sementes. Nesta fase, forma-se o esfacélio que é uma estrutura mole e branca, rica em substâncias açucaradas e contendo milhões de conídios que serão levados por insetos para outras flores. Em seguida, os esfacélios transformam-se em esclerócios que são ricos em alcalóides. Os esclerócios são estruturas resistentes que podem permanecer viáveis   e dormentes por  vários meses no solo, até que as condições ambientais favoreçam sua germinação com a produção de estruturas parecidas com  micro cogumelos que, por sua vez, produzirão esporos em um processo de reprodução sexuada. Estes, ao serem ejetados, contaminarão plantas em floração. Quando os animais consomem essas plantas portadoras de esclerócios de Claviceps, observam-se os episódios de intoxicação conhecidos genericamente por ergotismo. Por sua forma ser parecida com o esporão do galo, o esclerócio é comumente designado por "esporão do centeio" por "ergot" que tem o mesmo significado em francês.

   
                               Esclerócio de Claviceps purpurea

b) FUNGOS ENDOFITICOS
São fungos que se desenvolvem nos espaços intercelulares dos tecidos de uma planta sem lhe causar danos e nenhum sintoma de doença pode ser observado. Trata-se de uma relação simbiótica em que o fungo obtém seus nutrientes dos componentes químicos da planta e consegue se perpetuar através de sua disseminação no meio ambiente por meio das sementes da planta hospedeira.  Em contrapartida, o vegetal se beneficia dessa relação ao se aproveitar de alcalóides produzidos pelo fungo para protegê-la do ataque de parasitas e dos rigores da seca. A  presença de um fungo endofítico no interior da planta significa, portanto, a introdução de um fator adicional de defesa para a planta que, em alguns casos, pode ser uma das diversas micotoxinas pertencentes ao grupo dos alcalóides.  
Quando comparadas com plantas não portadoras do fungo endofitico, as que mantêm o fungo em seus tecidos, demonstram não somente maior resistência aos insetos e nematóides, como também suportam melhor os períodos de maior estiagem. Nas plantas infectadas por endofíticos, observa-se também um aumento de tolerância ao pastoreio e um maior  desenvolvimento de massa vegetal, o que as torna mais indicadas para a utilização em pastagens. Esta seria uma associação ideal não fosse a constatação de que os fungos endofíticos são produtores de substâncias alcalóides tóxicas para os animais domésticos.   
                               Hifas do fungo endofítico Neotyphodium spp
                                                                  em tecido vegetal

Algumas espécies do gênero Neotyphodium estão entre os fungos endofíticos mais estudados dentre aqueles que vivem em associação simbiótica com plantas, em especial porque elas estão intimamente associadas com importantes plantas forrageiras como festuca ("tall fescue") e azevém ("perennial ryegrass"), amplamente utilizadas em pastagens para bovinos, ovinos e equinos. Neste contexto  tem recebido maior atenção duas espécies endofíticas incluidas no gênero Neotyphodium
1. Neotyphodium coenophialum que produz ergovalina em pastagens de festuca (Festuca arundinaceae); 
2. Neotiphodium lolii que é produtora de ergovalina e lolitrem B em azevém (Lollium perenne).
      
ERGOTISMO
Ergotismo é uma terminologia usada para designar as intoxicações associadas à ingestão de alcalóides encontrados no "esporão de centeio" que são estruturas reprodutivas produzidas pelo Claviceps purpurea em diversas gramineas.   Nos esclerócios encontra-se acetilcolina, histamina, tiramina, amidas do ácido lisérgico e diversos alcalóides tóxicos. Os alcalóides do ergot, quimicamente caracterizados pela presença de um núcleo tetracíclico ergolina em suas moléculas, se dividem em dois grupos distintos: 
1. alcalóides amínicos (ex.: ergonovina, metilergolina,); 
2. alcalóides peptídicos (ex.: ergotamina, ergocriptina, bromocriptina). 
Em cada animal, as características clínicas da intoxicação podem variar na dependência da concentração relativa dos componentes químicos dos esclerócios.
Ergotismo gangrenoso - O ergotismo gangrenoso corresponde à forma crônica da intoxicação. Os alcalóides do ergot, especialmente a ergotamina, provocam vasoconstrição periférica, acompanhada de tromboses provenientes de danos observados no endotélio vascular, o que resulta em redução do fluxo sanguíneo, especialmente nas extremidades. Quando a vasoconstrição se torna severa, podem ocorrer episódios de gangrena seca localizada nas patas, orelhas, barbelas e rabo. Em casos mais avançados, o casco pode se soltar completamente e pode, até mesmo, haver perda total da pata.   



                            Gangrena seca em bezerros intoxicados
                            com alcalóides do esporão do centeio


Ergotismo nervoso - No ergotismo nervoso, que pode ser considerado como a forma aguda da intoxicação, certos alcalóides como a bromocriptina atuam seletivamente sobre os receptores dopamínicos da hipófise.  aos primeiros sintomas são ptialismo, hiperexcitabilidade, tremores, incoordenação, vertigens e ataxia. Quando os  animais são provocados por estímulos auditivos ou visuais, costumam responder com excitação e até mesmo com agressividade. A esta fase, podem seguir períodos convulsivantes e morte. Quando mantidos isolados e em repouso, os sintomas tornam-se imperceptíveis.
Em pastagens de Paspalum dilatatum, forragem conhecida como paspalum ou paspalo, pode ocorrer uma intoxicação envolvendo o sistema nervoso central provocada pela ingestão dos alcalóides (paspalitrem A e B, paspalanina e ácido lisérgico) encontrados em esclerócios de Claviceps paspali. Trata-se de uma afecção neurológica muito parecida com a observada nas intoxicações por toxinas tremorgênicas. 
Desempenho produtivo -  Os alcalóides do ergot também podem interferir no desempenho produtivo dos animais ao provocar anorexia, quando se observa um menor consumo de alimentos ou sua recusa total, o que resulta em baixo ganho de peso corpóreo. Eles também podem provocar importantes quedas na produção de leite podendo chegar até mesmo à agalactia, em consequência da supressão da secreção de prolactina pelas células hipofisárias. 
Intolerância ao calor - Outra importante característica observada nas intoxicações por alcalóides do ergot, especialmente durante os períodos mais quentes, é uma pronunciada intolerância ao calor, quando os animais tipicamente, procuram se manter à sombra ou dentro de poças d'água, eles consomem menos alimentos, mostram-se deprimidos e com hipertermia.

MICOTOXINAS TREMORGÊNICAS
As micotoxinas tremorgênicas ou simplesmente tremórgenos, constituem um conjunto de substâncias quimicamente semelhantes, cuja estrutura molecular básica é um núcleo indol-terpeno. São neurotoxinas e podem ser divididas em três grupos de acordo com o número de átomos de nitrogênio presentes na molécula:
1. Molécula com um átomo de N (exemplos: paspalitrens, penitrens, jantitrens e lolitrens).
2. Molécula com três átomos de N (exemplos: fumitremorgina-verruculogens).
3. Molécula com quatro átomos de N (exemplos: triptoquivalinas).
 Os tremórgenos atuam sobre o sistema nervoso central provocando alterações neurológicas caracterizadas por tremores musculares, ataxia, vertigem, hipermetria,  aumento da base de sustentação, hiperexcitabilidade, incoordenação motora, convulsões e dificuldades para se levantarem após frequentes quedas. Ao cair, o animal pode permanecer com os membros estendidos e apresentar graves luxações articulares. Quando incitados a se moverem, os sintomas se exacerbam e as quedas se multiplicam no plantel afetado. Mortes são incomuns. Talvez porque nas micotoxicoses tremorgênicas os sintomas  sejam facilmente perceptiveis, elas são as micotoxicoses diagnosticadas com maior frequência em ruminantes. 
Fungos produtores - As micotoxinas tremorgênicas são produtos do metabolismo secundártio de diversas espécies de fungos exofíticos e endofíticos. Atualmente são conhecidas mais de 30 substâncias tremorgênicas produzidas principalmente por espécies pertencentes aos gêneros Claviceps, Aspergillus, Penicillium  e Neotyphodium (Acremonium) e Balansia.
Micotoxina
Fungos produtores

Aflatrem


Penitrem A
Penicillium nigricans 
Penicillium antitellum 
Penicillium cyclopium 
Penicillium clavigerum 
Aspergillus canescens

Fumitremorgina B
Penicillium estinogenum

Verruculogem
Penicillium estinogenum 
Aspergillus fumigatus

Triptoquivalona, Nortriptoquivalona Triptoquivalina  Gliantripina
Aspergillus clavatus





Micotoxicoses em forrageiras com fungos endofíticos
FESTUCA - A gramínea conhecida com o nome de festuca "tall festucae" (Festuca arundinaceae) é amplamente utilizada em várias partes do mundo para a formação de pastagens para a criação de bovinos, ovinos e outros animais herbívoros. A planta em si, não apresenta qualquer grau de toxicidade para qualquer espécie de animal, entretanto, episódios de intoxicação passam a ocorrer quando suas estruturas são invadidas pelo fungo endofitico Neotiphodium coenophialum que é produtor de alguns dos alcalóides que também são sintetizados pelo Claviceps purpurea. O mais importante deles é a Ergovalina, que é uma micotoxina responsável por alterações nas extremidades dos membros, alterações que são conhecidas como pé de festuca ("fescue foot"); doença do verão e problemas reprodutivos, conhecidos coletivamente como Fescue toxicoses, que é considerada nos Estados Unidos como a principal intoxicação induzida pelo consumo de forragens.
- Pé de festuca ("fescue foot"), uma das manifestações da festuca toxicoses caracteriza-se por edema ao redor do boleto e na região do casco, gangrena seca das extremidades da orelha e da cauda. Nos casos mais avançados, pode ocorrer perda do casco. Estes sinais clínicos são semelhantes aos observados nas intoxicações por alcalóides produzidos por Claviceps purpurea e são decorrentes da ação da ergovalina sobre os vasos sanguineos resultando em redução do fluxo sanguíneo e a formação de coágulos. 
Além dessas manifestações, em bovinos podem ser observadas várias outras alterações clínicas:
- Apetite reduzido ou reduzido consumo de alimentos, tendo como consequência, a redução de ganho de peso em animais jovens em crescimento e perda de peso em animais adultos.  Observa-se, também, redução na produção de leite, inflamação intestinal e diarréia em alguns animais. 
- Hipertermia de verão ou doença de verão - Além das manifestações principais, há um conjunto de problemas relacionados a essa forragem, referidas coletivamente como doença de verão:  os alcalóides do ergot são responsáveis por um quadro de hipertermia não infecciosa quando se observa aumento da temperatura corporal em alguns animais. isto se deve à vasoconstrição periférica provocada pelo alcalóide que reduz a capacidade do animal manter a temperatura corporal dentro da normalidade.
- Liponecrose (lipomatose) - Alterações  que são observadas nas gorduras localizadas na região abdominal.

AZEVÉM - Em pastagens formadas com azevém "perennial ryegrass" (Lollium perenne), bovinos, ovinos, equinos e outros herbívoros podem se contaminar com as micotoxinas ergovalina e lolitrem B, quando esta gramínea mantém uma relação mutualística com o fungo endofítico Neotiphodium lolii. Com a ingestão da ergovalina que está presente no azevém em menores concentrações do que na festuca, os animais desenvolvem sintomas semelhantes aos descritos nas intoxicações por festuca porém, eles se manifestam de forma mais branda. Em contrapartida, por causa da presença do lolitrem B, uma das principais micotoxinas tremorgênicas, desenvolve-se sinais clínicos caracterizados por alterações neurológicas com tremores musculares, ataxia, vertigem, hipermetria, aumento da base de sustentação, hiperexcitabilidade, incoordenação motora, convulsões e dificuldades para se levantarem após frequentes quedas, conforme já descritos anteriormente. Trata-se de uma síndrome conhecida por "ryegrass staggers" vertigem do azevém ou cambaleio.