MICOLOGIA. 2
DERMATOFITOSES
DERMATOFITOSES
Fungos patogênicos isolados de raspados de pele de cães com lesões cutâneas e considerações sobre coleta, acondicionamento e envio de material para exames laboratoriais..
Luiz Celso Hygino da Cruz*
José Luis de Carvalho*
Diana Cunha da Cruz de Carvalho*
Alexandre Cunha Espindola*
Alexandre Cunha Espindola*
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* LABOVET
INTRODUÇÃO - Das doenças fúngicas diagnosticadas em animais domésticos, as dermatofitoses são as mais frequentes, mas apesar de serem comuns, o seu diagnóstico não é muito fácil e por causa disso, erros são cometidos com muita frequência. Apesar das lesões apresentarem um certo padrão que as descrevem como sendo circulares e com desenvolvimento centrífugo, elas apresentam diversos tipos evolutivos, variações estas, que são dependentes do grau de virulência da cepa, do estado imunológico do hospedeiro, do grau de adaptabilidade da espécie fúngica à espécie animal etc. O diagnóstico das dermatofitoses é totalmente dependente do apoio laboratorial e, por causa disto, é muito importante que o clínico faça a coleta de material de maneira correta e encaminhe ao laboratório de forma adequada. O sucesso do diagnóstico laboratorial depende da qualidade dos procedimentos adotados.
MATERIAIS E MÉTODOS
Material - Os animais, cães de diversas raças e idades, de ambos os sexos, domiciliados em diversos bairros da cidade do Rio de Janeiro, não foram examinados diretamente pelos autores. Foram animais atendidos em diversas clínicas localizadas nos mais diversos bairros da cidade, os clínicos assistentes consideraram estes animais como portadores de alterações patológicas que justificavam a solicitação de análises micológicas com vistas à caracterização do agente etiológico. Para isto, raspados de lesões foram coletados de 1185 animais, no período de 26/07/2002 a 30/11/2005 e enviados ao nosso laboratório de análises clínicas (Labovet). Na maioria das vezes, o material era acondicionado em papel (receituário, envelope, toalha ou higiênico) mas em diversos casos, o seu encaminhamento foi feito de outras formas como por exemplo, entre duas lâminas envolvidas por esparadrapo ou mesmo por fita adesiva crepe, em tubo de ensaio fechado com rolha de borracha ou em frascos para urina ou fezes. Estes materiais apresentavam os mais diversos aspectos: na maioria das vezes era constituído de somente pelos (curtos ou muito longos, muito poucos ou em grandes quantidades), pelos com células descamativas, pelos com crostas, somente crostas ou crostas com sangue. A forma de coleta também variava bastante: muitas vezes foram feitos raspados superficiais com uma lâmina, outras vezes, os pelos eram arrancados juntamente com as crostas e, em poucos casos, foram utilizados, até mesmo, cotonetes.
Em todos os casos em que havia suspeita de esporotricose, o material foi coletado por meio de swabs estéreis passados na superfície das lesões e enviados em meio de transporte.
Isolamento e identificação
Preparo do material - Em duas situações havia necessidade de fazer uma preparação especial do material antes de se fazer o cultivo em meio seletivo: quando o material era constituído de crostas ou quando os pelos eram muito longos. As crostas eram trituradas em gral ou mesmo sobre o papel em que era acondicionado e os pelos longos eram cortados com tesoura, utilizando-se para a semeadura a parte que continha o seu bulbo.
Cultivo: Todos os cultivos foram feitos em agar Mycosel que possui em sua formulação, cloranfenicol e cicloheximida como agentes seletivos. O material constituído de pelos, células descamativas ou crostas trituradas, era colocado, com o auxílio de uma pinça, na superfície do meio de cultura inclinado, em tubo de ensaio e depois, com uma alça de platina, este material era espalhado por toda a superfície do meio. A incubação era feita em temperatura ambiente por até 30 dias.
Microscopia – A caracterização microscópica de todas as culturas isoladas foi feita mediante preparações entre lâmina e lamínula, coradas pelo azul de algodão lático.
Identificação dos fungos isolados
Microsporum e Trichophyton: a identificação destes dermatófitos foi baseada nas características de suas colônias (formato, consistência, pigmentação da superfície e do reverso etc) e nos aspectos microscópicos, principalmente em suas estruturas reprodutivas (macroconídeos e microconídeos).
Malassezia: a principal exigência nutricional das espécies do gênero Malassezia está relacionada à dependência de ácidos graxos, M. pachydermatis que é lipofílica, mas não lipodependente, pode ser cultivada nos meios de uso comum em micologia, como o meio de Sabouraud, acrescido de antibióticos como o cloranfenicol, enquanto as outras espécies são incapazes de crescerem neste meio, se não houver suplementação de lipídeos. No meio de Sabouraud, M. pachydermatis apresenta colônias redondas, convexas, foscas, de cor creme-amarelada e textura friável; o crescimento ótimo se dá à temperatura de 37° C em 48 a 72 horas. Podem ainda ser observadas colônias com dois diferentes fenótipos no que diz respeito ao diâmetro (grandes ou pequenas), ambas contendo células com as mesmas características microscópicas.
Candida: para a identificação deste gênero, além das características macroscópicas e microscópicas de seu crescimento em meio de Sabouraud glicosado, foram analisados os seguintes aspectos: formação de colônia radiada em EMB agar com incubação em 10% de CO2, produção de clamidoconídeos em agar farinha de milho e formação de tubos germinativos em soro sanguíneo após incubação por 2 horas a 37o C.
Sporothrix schenckii: a identificação desta espécie foi baseada principalmente em seu dimorfismo. À temperatura corporal ou quando seus cultivos são incubados a 37o C, apresenta-se como um fungo leveduriforme de forma alongada, (muitas células têm o formato de uma gota), envolvido por um halo claro, leveduras também podem ser encontradas fagocitadas por macrófagos. Nos cultivos incubados a 25o C ocorre formação de colônias, inicialmente de cor clara que, gradativamente vão se tornando pigmentadas até se tornarem quase negras. À microscopia observam-se hifas finas, septadas e pequenos conídeos produzidos nas extremidades de diminutas fiálides ligadas à conidióforos ou diretamente às hifas.
Scopulariopsis: suas colônias são pulverulentas devido ao grande número de conídeos. As hifas são septadas e os conidióforos podem ser formados isoladamente ou em ramificações em cujas extremidades se formam cadeias de conídeos globosos e eqüinulados.
Geotrichum: suas colônias são achatadas, brancas com sua superfície apresentando uma textura como cera ou apresentando filamentos aéreos. Multiplica-se por fragmentação da hifa, formando artrosporos.
Rhodotorula: este é um fungo leveduriforme que se destaca por formar colônias de consistência cremosa com pigmentação de cor laranja. Produz pequenas células que se multiplicam por brotamento, não forma hifas e nem pseudo-hifas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Fungos patogênicos foram detectados em 31,65 % (375 amostras) de um total de 1185 raspados de pele enviados para análise em nosso laboratório de análises clínicas (Labovet), no período de 26/07/2002 a 30/11/2005 (Quadro 1). Deste total, 280 eram dermatófitos (Microsporum ou Trichophyton) ou 23,63% de todos os fungos patogênicos isolados, destacando-se o Microsporum canis (21,77%) como o mais freqüente, seguido do Microsporum gypseum (0,93%) e do Trichophyton mentagrophytes (0,84%).
Quadro 1 – Fungos isolados a partir de 1185 raspados de pele
coletados de cães com suspeita de dermatofitoses.
Fungo isolado
|
No de isolados
|
%
|
Microsporum canis
|
258
|
21,77
|
Microsporum gypseum
|
11
|
0,93
|
Trichophyton mentagrophytes
|
10
|
0,84
|
Malassezia pachydermatis
|
68
|
5,74
|
M. canis + M. pachydermatis
|
1
|
|
Sporothrix schenckii
|
18
|
1,52
|
Candida albicans
|
5
|
0,42
|
Scopulariopsis sp
|
2
|
|
Rhodotorula sp
|
1
|
|
Geotrichum sp
|
1
|
|
Total de positivos
|
375
|
31,65
|
Total de negativos
|
810
|
68,35
|
Estes resultados evidenciam a pouca diversidade de espécies de fungos dermatófitos pertencentes aos gêneros Microsporum e Trichophyton, parasitando os cães na cidade do Rio de Janeiro. De um total de 280 cepas de dermatófitos isoladas, foram identificadas apenas três espécies, M. canis e M. gypseum, o primeiro zoofílico e o segundo geofílico e T. mentagrophytes, com predominância do M. canis (259 cepas) sobre todas as outras espécies patogênicas isoladas da pele de cães. Deve-se também ressaltar o elevado número de isolados de M. pachydermatis (68 ou 5,74%), inferior apenas ao M. canis. Neste caso, é necessário considerar que, por ser um comensal na pele, sua presença em cultivos a partir de raspados de pele, deve ser analisada com muito critério. Em todos os casos em que assinalamos a sua presença, havia um grande número de colônias, indicando um provável envolvimento com o processo patológico em análise. Entretanto, se para os casos de otites micóticas foram criados parâmetros numéricos que definem a correlação deste fungo com o quadro patológico, no caso das dermatoses, isto ainda não foi estabelecido, o que transfere ao clínico a responsabilidade pelo diagnóstico.
Como pode ser verificado no quadro 1, também registramos a ocorrência de Candida albicans (5 cepas), Scopulariopsis sp (2 cepas), Rhodotorula sp (1 cepa), e Geotrichum sp (1 cepa). Eventualmente, estes microorganismos podem ser associados a processos patológicos localizados na pele.
Como se sabe, Candida albicans é considerada como um microorganismo normal da microbiota das mucosas bucal e vaginal e, eventualmente também pode ser encontrada na pele sadia. Por outro lado, este fungo tem sido implicado como agente etiológico de dermatopatias no homem e em animais domésticos.
Dermatopatias de ocorrência eventual, também têm sido associadas ao Scopulariopsis sp. Como é um fungo também encontrado com certa freqüência no meio ambiente, a sua presença em cultivos de raspados de pele deve ser analisada com cuidado porque ele pode estar presente como um simples contaminante, adquirido através do contato com o meio ambiente..
Foram relacionados no quadro 1, somente os fungos que normalmente são considerados responsáveis por processos patológicos em animais domésticos, não tendo sido considerados os demais fungos que se desenvolveram nos tubos de cultivo, apesar do meio conter o antibiótico cicloheximida, mas que são considerados fungos saprófitas. O desenvolvimento destes fungos nestes meios, algumas vezes foi tão intenso que ele poderia ter impedido o desenvolvimento de um fungo patogênico se estivesse presente, resultando desta maneira, em laudos falsos negativos.
Os resultados mostrados acima indicam uma aparente alta incidência de infecções fúngicas tegumentares em cães na cidade do Rio de Janeiro. Entretanto, se considerarmos que a coleta de material para exame micológico, teria sido motivada por uma suspeita clínica de dermatomicoses, seria lícito concluir que teria havido um baixo percentual de acertos nos diagnósticos clínicos realizados, e um alto índice de erros, superior em mais de duas vezes (cerca de 68%) ao de acertos (cerca de 31%).
Olhando por este ângulo, poder-se-ia considerar que poucos veterinários deteriam conhecimentos aprofundados sobre dermatologia e, por isso, muitos enviariam aos laboratórios, raspados de pele de qualquer caso, independentemente de suas características clínicas, na tentativa de esclarecer problemas dermatológicos, sem uma adequada fundamentação teórico-prática. Esta situação deve ser melhor avaliada e seus pontos críticos devidamente identificados para que medidas corretivas possam ser indicadas e, desta maneira, esta grande margem de erros possa ser diminuída.
Parece claro que um processo de educação continuada deva ser a base desse processo. Palestras, cursos teóricos e práticos, programas de estágios supervisionados para estudantes, seminários e outras formas de treinamento precisam ser disponibilizados pelas entidades de ensino e as associações profissionais como a Anclivepa, por exemplo.
Um outro problema nos parece ser a forma de coleta e acondicionamento do material enviado para ser analisado nos laboratórios. Por mais avançada e sofisticada que seja a técnica de diagnóstico laboratorial, a qualidade de seus resultados será sempre dependente da qualidade e da forma como o material foi coletado, acondicionado e enviado. Em se tratando de material destinado ao diagnóstico de dermatofitoses, algumas observações precisam ser feitas para que sejam minimizados os problemas que podem contribuir para que o diagnóstico seja otimizado.
Limpeza prévia - Por existir uma grande quantidade de microorganismos na pele dos animais, deve-se fazer uma limpeza prévia com gaze embebida em álcool a 70.
Local de coleta - O material a ser enviado ao laboratório deve ser obtido das bordas da lesão (área em expansão da lesão), local em que os fungos estão metabolicamente ativos.
Raspados superficiais - Não é necessário fazer uma raspagem profunda porque o fungo encontra-se no extrato córneo e nos pelos. Além disso, a raspagem profunda deixará o material úmido propiciando, com isso, o desenvolvimento de bactérias e fungos saprófitas, tornando muito difícil o diagnóstico.
Coleta de pelos - Utilizando-se de uma pinça, deve-se arrancar os pelos que se mostrarem fluorescentes à luz de Wood, ou que forem quebradiços, defeituosos ou se encontrarem junto a processos inflamatórios, além de também recolher material descamativo ou crostas. Arrancar os pelos é importante porque o dermatófito ao se expandir pela superfície da pele, encontrará em seu caminho o folículo piloso, então ele descerá por sua parede e invadirá o pelo a partir de sua base, ou seja, o bulbo que se encontra inserido no folículo. A partir dali, o fungo vai se desenvolver para cima, não chegando a atingir o seu ápice porque o pelo cairá antes. Por este motivo, sugerimos que os animais que têm pelos longos, antes de serem retirados com o auxílio de pinça, devem ter sua altura reduzida com tesoura, a aproximadamente 1 cm. Com este procedimento, poderemos colocar um maior número de pelos na superfície do meio de cultura, aumentando a probabilidade de obtenção de cultivos positivos.
Acondicionamento - De preferência, o material obtido deve ser embrulhado em papel limpo. Este procedimento eliminará a umidade, evitando, desta maneira, o crescimento dos contaminantes durante o transporte. Nestas condições, o material poderá, inclusive, ser enviado pelo correio. Nunca acondicionar o material entre duas lâminas de vidro ou em tubo de ensaio, especialmente se for fechado com rolha de borracha; muitas vezes o raspado é colocado entre duas lâminas e depois envolvidas por esparadrapo ou uma fita adesiva. Este procedimento é inadequado porque, além de reter umidade facilitando o crescimento de microorganismos contaminantes, a retirada do envoltório para o processamento do material trará riscos de contaminação para o técnico. Por motivos semelhantes, não se deve enviar raspados de pele dentro de tubos de ensaio fechados com rolhas de borracha.
Como se sabe, as dermatofitoses são zoonoses frequentes tanto na área urbana como na rural e, por isso, aos profissionais da área, deve ser exigido um comportamento consciente e participativo, não somente na prevenção das dermatofitoses em si mesmo e em sua equipe, como também na prevenção da disseminação da infecção na comunidade que, de alguma maneira, tem relações com o animal portador da dermatofitose. É fundamental que o clínico veterinário esclareça a seus clientes, que o seu animal, portador dermatofitose, seja isolado e tratado com o devido cuidado, para evitar a transmissão da infecção para os membros da família. A permanência do animal junto à família, e o seu contato com o ambiente da casa (móveis e objetos) que também são utilizados pelos membros da família, aumenta a possibilidade de contaminação das pessoas. Não pode ser esquecido também, que nestes casos ocorre intensa queda de pelos (pela ação da queratinase produzida pelo dermatófito), muitos deles, infectados pelo fungo e, assim, sua presença no meio ambiente, pode significar maior probabilidade de contágio das pessoas residentes e o isolamento do animal infectado é um procedimento que não pode ser esquecido pelo veterinário assistente.