MICOTOXINAS. 3
Efeitos das micotoxinas sobre ruminantes (continuação)
Luiz Celso Hygino da Cruz
2. Ação inibitória das micotoxinas sobre a microbiota do rúmen
A Micotoxicologia registra vários exemplos de metabólitos secundários tóxicos para animais, elaborados por fungos, as Micotoxinas, que também possuem atividade antimicrobiana. Essas substâncias, inicialmente consideradas como potenciais antibióticos, foram abandonadas pela indústria farmacêutica por também serem tóxicas aos animais. Naturalmente que a atividade antimicrobiana só será exercida nos ambientes em que ocorrer o contato ocasional entre a micotoxina e as populações microbianas. portanto, dependendo do acaso, esses efeitos antagônicos poderão se manifestar em diferentes nichos ecológicos.
Se, por exemplo, um estoque de milho contaminado por Aspergillus flavus for descartado no meio ambiente com o objetivo de ser misturado ao solo como adubo orgânico, se as aflatoxinas estiverem presentes no milho, elas poderiam atuar como antibióticos e impedir a ação de bactérias que pudessem competir com o fungo. Dessa maneira, livre do competidor bacteriano, a população fúngica poderia aumentar em proporções superiores à que seria normal na ausência da micotoxina e, na safra seguinte, seriam maiores as chances do milho ser colhido com uma carga maior de contaminantes fúngicos.
Outro exemplo em que se observa a interferência de micotoxinas sobre o comportamento de populações microbianas pode ser encontrado no rúmen dos bovinos. O processo fermentativo anaeróbio de biotransformação da matéria orgânica presente nas pastagens, em diversos compostos orgânicos indispensáveis ao metabolismo biossintético dos ruminantes, pode ser alterado pela introdução de micotoxinas junto com a dieta alimentar. Certas micotoxinas, por causa de suas propriedades antibióticas, podem modificar a composição populacional normal do rúmen e alterar as proporções das substâncias resultantes da fermentação microbiana. Como o metabolismo nutricional dos ruminantes é dependente da atividade metabólica dos microorganismos presentes no rúmen, a presença de substâncias antibióticas na dieta pode modificar a composição populacional do ecossistema microbiano ruminal e, dessa maneira, alterar as proporções dos subprodutos resultantes da digestão. A afetarem os microorganismos do ecossistema ruminal, substâncias antibióticas como algumas micotoxinas, provocam importantes alterações na composição dos componentes químicos normalmente resultantes da biotransformação da matéria vegetal digerida no rúmen. Como resultado dessa interferência, ocorrem significativas alterações nos perfís de ácidos graxos voláteis, além de uma influência negativa sobre a biossíntese de proteínas. Como consequência, haverá menor desempenho produtivo no plantel de bovinos, seja ele destinado à produção de carne ou de leite.
AFLATOXINAS
Experimentos realizados tanto in vitro quanto in vivo visando esclarecer se as aflatoxinas exerceriam alguma atividade antibiótica sobre a microbiota ruminal, produziram resultados conflitantes. Alguns resultados demonstraram ter ocorrido redução tanto da atividade celulolítica quanto da proteolítica, além de alterações nas proporções dos ácidos graxos voláteis. Quando altas concentrações de aflatoxinas foram administradas, foi observou-se redução da proporção de acetato/propionato e também da quantidade total de ácidos graxos voláteis. Por outro lado, experimento feitos de forma semelhante, não evidenciaram qualquer alteração na atividade microbiana ruminal.
PATULINA
Patulina é uma micotoxina produzida por várias espécies dos gêneros Aspergillus e Penicillium e, também, por Byssochlamys nivea. Quimicamente, ela se caraterizada por apresentar em sua molécula um grupamento lactona hemiacetal. Trabalhos experimentais têm demonstrado que a patulina pode atuar de várias formas sobre o organismo animal. Ela é capaz de agir sobre a membrana celular e alterar sua permeabilidade e, também, pode inibir a atividade da ATPase e a respiração aeróbica, além de poder causar aberrações cromossômicas. Na inibição da ATPase, podem ocorrer transtornos no transporte de íons Na+ e K+ através da membrana celular em tecidos musculares e nervosos, reduzindo a produção de ATP. Além dos efeitos diretos sobre a fisiologia de células de animais, a patulina também pode afetar células microbianas. Esta micotoxina pode provocar significativa redução na atividade metabólica de microorganismos que compõem a microbiota do rúmen. Ao reduzir a atividade metabólica de microorganismos do rúmen ela irá interferir no processo fermentativo microbiano que se desenvolve nesta parte do estômago dos ruminantes. Por causa da ação antimicrobiana exercida pela patulina observa-se significativa redução na produção de ácido acético e na biossíntese de proteínas. Outra atuação importante da patulina em decorrência de sua ação sobre a fermentação ruminal é a redução da digestibilidade das fibras detergente neutra (FDN) e detergente ácida (FDA) minimizando a digestibilidade da matéria orgânica e do fluxo de proteína bruta e nitrogênio.
Fontes (origens) das contaminações
Não há exemplo de animais de produção em cujo processo de criação o homem tenha introduzido tantas variações de formas e critérios de fornecimento de nutrientes. Em princípio, através de um processo milenar de adaptação, os ruminantes desenvolveram a característica única de poder transformar alimentos pobres em nutrientes como são os capins, em nutrientes essenciais ao seu metabolismo energético e biossintético. Para poder criar esses animais em suas condições naturais, há necessidade de grandes extensões de terras férteis que são cada vez menos disponíveis e cada vez mais caras. No futuro, a viabilização da bovinocultura, seja para a produzir leite ou carne, dependerá cada vez mais do desenvolvimento de processos de criação que não dependam de pastagens. Muito se tem investido na procura de novos procedimentos e novas tecnologias que possibilitem a criação de animais confinados e alimentados de forma alternativa ao pastoreio natural. O confinamento, em que os animais são mantidos em pequenos espaços e alimentados com concentrados à base de cereais ricos em carboidratos e proteínas, parece ser a tendência que prevalecerá no futuro. Na bovinocultura dos dias atuais, já nos deparamos com diferentes formas de alimentar os animais: pastagens (predominantemente no Brasil), concentrados de cereais, fenos e silagens. Dependendo do país ou das regiões dentro de um pais tão grande quanto é o Brasil, os criadores costumam aplicar, de acordo com as circunstâncias, uma combinação dessas diferentes possibilidades de alimentar seus animais.
Quando da ocorrência de doenças em um determinado plantel de animais houver a suspeita de uma possível associação com a ingestão de alimentos contaminados por micotoxinas, para se chegar a um diagnóstico, será indispensável caracterizar, antes de tudo, que dieta alimentar estaria em uso no período de ocorrência do problema. Isto precisa ser bem investigado porque, na maioria das vezes, determinadas micotoxinas sempre poderão ser encontradas nos mesmos tipos de alimentos. Isto acontece porque cada produto vegetal mantém uma associação com alguma espécie de fungo e, consequentemente, com as micotoxinas que esses fungos forem capazes de produzir:
a) PASTAGENS - Animais criados de forma extensiva em pastagens podem ser intoxicados por diversas micotoxinas, destacando-se entre elas os alcalóides do ergot, ergovalina, penitrem A, lolitrens, paspalitrens, esporidesmina e tricotecenos.
A história da Micotoxicologia registra que as intoxicações por alcalóides do ergot produzidas por espécies do gênero Claviceps foram uma das primeiras manifestações clínicas de micotoxicoses. A presença desses fungos em pastagens pode ser determinada com facilidade porque eles produzem esclerócios, que são estruturas reprodutivas relativamente grandes e perceptíveis a olho nu. Recentemente, foi demonstrado que existe um outro grupo de fungos, os endofíticos, que vivem junto às células de tecidos vegetais, crescendo no interior de plantas, numa clara relação de interdependência. Ao se desenvolverem dentro de uma determinada planta, esses fungos conseguem chegar até às suas sementes e, por isto, se mantêm associados especificamente àquela planta. Quando a planta é submetida a qualquer fator de estresse, essa relação pode se alterar e o fungo passar a produzir toxinas. Diversos fungos endofíticos já foram caracterizados em pastagens, destacando-se os gêneros Neotyphodium e Epichloe. Espécies destes dois gêneros estão associadas à produção de diversos alcalóides, com destaques para a ergovalina, lolitrem e paxilina.
b) SILAGENS - Ensilagem é um sistema de preservação de forragens verdes mantidas em silos sob baixa tensão de oxigênio (anaerobiose) e alto grau de acidez resultante de fermentações bacterianas. No preparo das silagens são empregados vegetais que não contêm sementes maduras, mas somente um misto de plantas com seus caules e folhas ou, até mesmo sementes ainda imaturas. Toda a matéria verde é cortada em pequenos pedaços e transferida para o silo onde deve ser bem prensada para a eliminação do oxigênio. Para acelerar o proceso fermentativo, podem ser utilizados inoculantes bacterianos que sejam produtores de ácido propiônico e ácido lático. Silagens inoculadas com uma associação de Propionibacterium acidipropionici e Lactobacillus plantarum apresentam menor crescimento de fungos e leveduras após a abertura do silo. Depois de cheio, o silo precisa ser bem vedado com uma cobertura de plástico para evitar a penetração de oxigênio do ar. Em condições de anaerobiose e pH ácido, a maioria dos fungos fica impedida de crescer, mas se o processo de preparação for mal conduzido quando podem ocorrer defeitos na vedação ou na compactação e, se durante o seu uso, o material permanecer exposto ao ar por longos períodos, diversos fungos filamentosos poderão crescer e produzir micotoxinas. As micotoxinas detectadas em silagens são produzidas por fungos diferentes em dois momentos distintos, antes ou após o processo de ensilagem.
1. Antes da ensilagem (antes da colheita) - Micotoxinas podem ser produzidas em vegetais mesmo antes de serem colhidos para o preparo de silagens. Aspergillus flavus, e espécies do gênero Fusarium, por exemplo, dependendo da interação de certos fatores estressantes, podem produzir suas micotoxinas na planta ainda durante o cultivo. O mesmo acontece em relação aos fungos endofiticos, muitos dos quais podem produzir alcalóides tóxicos. Quando a anaerobiose e a acidez são estabelecidas na silagem, esses fungos de campo têm o seu crescimento interrompido, mas suas micotoxinas, se presentes, permanecerão ativas. Dessa maneira, micotoxinas como a zearalenona, os tricotecenos e a fumonisina, devem ser consideradas como micotoxinas que seriam produzidas no período anterior à ensilagem ou quando a silagem não tiver sido adequadamente preparada e as espécies de Fusarium puderem continuar a crescer no material ensilado. Mesmo que este mesmo princípio possa ser aplicado às aflatoxinas porque, como se sabe, o A. flavus também pode afetar o milho ainda no campo, poucas vezes isto acontece. Aflatoxinas não deve ser considerada um contaminante importante de silagens. No momento, ela deve ser considerada a principal micotoxina produzida em grãos estocados.
2. Após a ensilagem (pós-colheita) - Com a modificação do meio ambiente no interior de silagens, outras espécies que são adaptadas às condições de microaerofilia e alta acidez, podem se desenvolver e produzir suas micotoxinas. Aspergillus fumigatus, Byssochlamys nívea, Monascus spp., Penicillium roquefortii e Trichoderma spp. são os fungos isolados com maior frequência de silagens. Dentre as micotoxinas que produzidas por estes fungos destacam-se a patulina, roquefortinas, fumitremorginas, ácido micofenólico, verruculogem, ácido penicílico, gliotoxina e monoascolinas patulina.
c) CONCENTRADOS DE GRÃOS - a seleção genética foi, gradativamente, transformando os animais de produção em verdadeiras e potentes máquinas produtoras de alimentos. Vacas que produziam 2, 3 litros de leite por dia, passaram a produzir 20, 30, 40 litros. Os destinados à produção de carne, eram abatidos com cerca de 4 anos e atualmente nem chegam aos 2 anos e com peso superior. Este alto rendimento passou a exigir o fornecimento de alimentos com maior teor de nutrientes, impossível de ser encontrado nas pastagens. Por este motivo, bovinos de alto rendimento passaram a ser alimentados com suplementação de concentrados de grãos. Com as rações produzidas à base de cereais como milho, trigo, aveia, cevada, centeio e as tortas (subprodutos da indústria de óleo) de soja, amendoim e sementes de girassol e algodão vieram tambem diversas micotoxinas. junto cao as rações, os bovinos passaram também a ingerir aflatoxinas, zearalenona, fumonisinas, ochratoxinas, citrinina, tricotecenos, alcalóides do ergot e diversas outras micotoxinas.