Quem sou eu

Minha foto
Médico Veterinário (UFRRJ-1964). MS em Microbiologia (UFRRJ, 1971) e PhD em Sanidade Animal (UFRRJ, 1997). Produziu cerca de 150 trabalhos científicos: os primeiros relatos sobre Cryptococose felina; primeiros isolamentos do Pithyum insidiosum de equinos; Nefropatia micotóxica suína, Aflatoxicose em suínos; anticorpos monoclonais anti aflatoxina e citrinina e estudos experimentais sobre citrinina em suínos. Prêmio de Pesquisa Avícola “Prof. José Maria Lamas da Silva” “Comenda do Mérito Veterinário” Instituto de Veterinária da UFRRJ; Honra ao Mérito Veterinário CRMV-RJ e Professor Emérito da UFRRJ. Presidente da Sociedade Latinoamericana de Micotoxicologia, Presidiu o I Congresso Latinoamericano de Micotoxicologia, RJ. Implantou o Centro de Micologia e Micotoxicologia e o Curso de Mestrado em Microbiologia Veterinária da UFRRJ. Autor dos livros: “Micotoxicologia: perspectiva Latino-americana” e “Micologia Veterinária” Na UFRRJ foi Professor Titular de Micologia e Micotoxicologia. Atualmente é Professor Titular da Universidade Estácio de Sá, responsável pela disciplina de Micologia Veterinária.

Pesquisar este blog

terça-feira, 20 de março de 2012



MICOTOXINAS. 3
Efeitos das micotoxinas sobre ruminantes (continuação)

Luiz Celso Hygino da Cruz


2. Ação inibitória das micotoxinas sobre a microbiota do rúmen

A Micotoxicologia registra vários exemplos de metabólitos secundários   tóxicos para animais, elaborados por fungos, as Micotoxinas, que também possuem atividade antimicrobiana. Essas substâncias, inicialmente consideradas como potenciais antibióticos, foram abandonadas pela indústria farmacêutica por também serem tóxicas aos animais. Naturalmente que a atividade antimicrobiana só será exercida nos ambientes em que ocorrer o contato ocasional entre a micotoxina e as populações microbianas. portanto, dependendo do acaso, esses efeitos antagônicos poderão se manifestar em diferentes nichos ecológicos. 
Se, por exemplo, um estoque de milho contaminado por Aspergillus flavus for descartado no meio ambiente com o objetivo de ser misturado ao solo como adubo orgânico, se as aflatoxinas estiverem presentes no milho, elas poderiam atuar como antibióticos e impedir a ação de bactérias que  pudessem competir com o fungo.  Dessa maneira, livre do competidor bacteriano, a população fúngica poderia aumentar em proporções superiores à que seria normal na ausência da micotoxina e, na safra seguinte, seriam maiores as chances do milho ser colhido com uma carga maior de contaminantes fúngicos.
Outro exemplo em que se observa a interferência de micotoxinas sobre o comportamento de populações microbianas pode ser encontrado no rúmen dos bovinos. O processo fermentativo anaeróbio de biotransformação da matéria orgânica presente nas pastagens, em diversos compostos orgânicos indispensáveis ao metabolismo biossintético dos ruminantes, pode ser alterado pela introdução de micotoxinas junto com a dieta alimentar. Certas micotoxinas, por causa de suas propriedades antibióticas, podem modificar a composição populacional normal do rúmen e alterar as proporções das substâncias resultantes da fermentação microbiana. Como o metabolismo nutricional dos ruminantes é dependente da atividade metabólica dos microorganismos presentes no rúmen, a presença de substâncias antibióticas na dieta pode modificar a composição populacional do ecossistema microbiano ruminal e, dessa maneira, alterar as proporções  dos subprodutos resultantes da digestão. A afetarem os microorganismos do ecossistema ruminal, substâncias antibióticas como algumas micotoxinas, provocam importantes alterações na composição dos componentes químicos normalmente resultantes da biotransformação da matéria vegetal digerida no rúmen. Como resultado dessa interferência, ocorrem significativas alterações nos perfís de ácidos graxos voláteis,  além de uma influência negativa sobre a biossíntese de proteínas. Como consequência, haverá menor desempenho produtivo no plantel de bovinos, seja ele destinado à produção de carne ou de leite.

AFLATOXINAS
Experimentos realizados tanto in vitro quanto in vivo visando esclarecer se as aflatoxinas exerceriam alguma atividade antibiótica sobre a microbiota  ruminal, produziram resultados conflitantes. Alguns resultados demonstraram ter ocorrido redução tanto da atividade celulolítica quanto da proteolítica, além de alterações nas proporções dos ácidos graxos voláteis. Quando altas concentrações de aflatoxinas foram administradas, foi observou-se redução da proporção de acetato/propionato  e também da quantidade total de ácidos graxos voláteis. Por outro lado, experimento feitos de forma semelhante, não evidenciaram qualquer alteração na atividade microbiana ruminal.
PATULINA
Patulina é uma micotoxina produzida por várias espécies dos gêneros Aspergillus e Penicillium e, também, por Byssochlamys nivea. Quimicamente, ela se caraterizada por apresentar em sua molécula um grupamento lactona hemiacetal. Trabalhos experimentais têm demonstrado que a patulina pode atuar de várias formas sobre o organismo animal. Ela é capaz de agir sobre a membrana celular e alterar sua permeabilidade e, também, pode inibir a atividade da ATPase e a respiração aeróbica, além de poder causar aberrações cromossômicas. Na inibição da ATPase, podem ocorrer transtornos no transporte de íons Na+ e K+ através da membrana celular em tecidos musculares e nervosos, reduzindo a produção de ATP. Além dos efeitos diretos sobre a fisiologia de células de animais, a patulina também pode afetar células microbianas. Esta micotoxina pode provocar significativa redução na atividade metabólica de microorganismos que compõem a microbiota do rúmen. Ao reduzir a atividade metabólica de microorganismos do rúmen ela irá interferir no processo fermentativo microbiano que se desenvolve nesta parte do estômago dos ruminantes. Por causa da ação antimicrobiana exercida pela patulina observa-se significativa redução na produção de ácido acético e na biossíntese de proteínas. Outra atuação importante da patulina em decorrência de sua ação sobre a fermentação ruminal é a redução da digestibilidade das fibras detergente neutra (FDN) e detergente ácida (FDA) minimizando a digestibilidade da matéria orgânica e do fluxo de proteína bruta e nitrogênio. 
Fontes (origens) das contaminações 
Não há exemplo de animais de produção em cujo processo de criação o homem tenha introduzido tantas variações de formas e critérios de fornecimento de nutrientes. Em princípio, através de um processo milenar de adaptação, os ruminantes desenvolveram a característica única de poder transformar alimentos pobres em nutrientes como são os capins, em nutrientes essenciais ao seu metabolismo energético e biossintético. Para poder criar esses animais em suas condições naturais, há necessidade de grandes extensões de terras férteis que são cada vez menos disponíveis e cada vez mais caras. No futuro, a viabilização da bovinocultura, seja para a produzir leite ou carne, dependerá cada vez mais do desenvolvimento de processos de criação que não dependam de pastagens. Muito se tem investido na procura de novos procedimentos  e novas tecnologias que possibilitem a criação de animais confinados e alimentados de forma alternativa ao pastoreio natural. O confinamento, em que os animais são mantidos em pequenos espaços e alimentados com concentrados à base de cereais ricos em carboidratos e proteínas, parece ser a tendência que prevalecerá no futuro. Na bovinocultura dos dias atuais, já nos deparamos com diferentes formas de alimentar os animais: pastagens (predominantemente no Brasil), concentrados de cereais, fenos e silagens. Dependendo  do país ou das regiões dentro  de um pais tão grande quanto é o Brasil,  os criadores costumam aplicar, de acordo com as circunstâncias, uma combinação dessas diferentes possibilidades de alimentar seus animais. 
Quando da ocorrência de doenças em um determinado plantel de animais houver a suspeita de uma possível associação com a ingestão de alimentos contaminados por  micotoxinas, para se chegar a um diagnóstico, será indispensável caracterizar, antes de tudo, que dieta alimentar estaria em uso no período de ocorrência do problema. Isto precisa ser bem investigado porque, na maioria das vezes, determinadas micotoxinas sempre poderão ser encontradas nos mesmos tipos de alimentos.  Isto acontece porque cada produto vegetal mantém uma associação com alguma espécie de fungo e, consequentemente, com as micotoxinas que esses fungos forem capazes de produzir: 
a) PASTAGENS - Animais criados de forma extensiva em pastagens podem ser intoxicados por diversas micotoxinas, destacando-se entre elas os alcalóides do ergot, ergovalina, penitrem A, lolitrens, paspalitrens, esporidesmina e tricotecenos.
A história da Micotoxicologia registra que as intoxicações por alcalóides do ergot produzidas por espécies do gênero Claviceps foram uma das primeiras manifestações clínicas de micotoxicoses. A presença desses fungos em pastagens pode ser determinada com facilidade porque eles produzem esclerócios, que são estruturas reprodutivas relativamente grandes e perceptíveis a olho nu. Recentemente, foi demonstrado que existe um outro grupo de  fungos, os endofíticos, que vivem junto às células de tecidos vegetais, crescendo no interior de plantas, numa clara relação de interdependência. Ao se desenvolverem dentro de uma determinada planta, esses fungos conseguem chegar até às suas sementes e, por isto, se mantêm associados especificamente àquela  planta. Quando a planta é submetida a qualquer fator de estresse, essa relação pode se alterar e o fungo passar a produzir toxinas. Diversos fungos endofíticos já foram caracterizados em pastagens, destacando-se os gêneros Neotyphodium e Epichloe.  Espécies destes dois gêneros estão associadas à produção de diversos alcalóides, com destaques para a ergovalina, lolitrem e paxilina. 
b) SILAGENS - Ensilagem é um sistema de preservação de forragens verdes mantidas em silos sob baixa tensão de oxigênio (anaerobiose) e  alto  grau de acidez resultante de fermentações bacterianas. No preparo das silagens são empregados  vegetais que não contêm sementes maduras, mas somente um misto de plantas com seus caules e folhas ou, até mesmo sementes ainda imaturas. Toda a matéria verde é cortada em pequenos pedaços e transferida para o silo onde deve ser bem prensada para a eliminação do oxigênio. Para acelerar o proceso fermentativo, podem ser utilizados inoculantes bacterianos que sejam  produtores de ácido propiônico e ácido lático. Silagens inoculadas com uma associação de Propionibacterium acidipropionici e Lactobacillus plantarum apresentam menor crescimento de fungos e leveduras após a abertura do silo.  Depois de cheio, o silo precisa ser bem vedado com uma cobertura de plástico para evitar a penetração de oxigênio do ar. Em condições de anaerobiose e pH ácido, a maioria dos fungos fica impedida de crescer, mas se o processo de preparação for mal conduzido quando podem  ocorrer defeitos na vedação ou na compactação  e, se durante o seu uso, o material permanecer exposto ao ar por longos períodos, diversos fungos filamentosos poderão crescer e produzir micotoxinas. As micotoxinas detectadas em silagens são produzidas por fungos diferentes em dois momentos distintos, antes ou após o processo de ensilagem.
1. Antes da ensilagem (antes da colheita) - Micotoxinas podem ser produzidas em vegetais mesmo antes de serem colhidos para o preparo de silagens. Aspergillus flavus, e espécies do gênero Fusarium, por exemplo, dependendo da interação de certos fatores estressantes, podem produzir suas micotoxinas na planta ainda durante o cultivo. O mesmo acontece em relação aos fungos endofiticos, muitos dos quais podem produzir alcalóides tóxicos. Quando a anaerobiose e a acidez são estabelecidas na silagem, esses fungos de campo têm o seu crescimento interrompido, mas suas micotoxinas, se presentes, permanecerão ativas. Dessa maneira, micotoxinas como a zearalenona, os tricotecenos e a fumonisina, devem ser consideradas como micotoxinas que seriam produzidas no período anterior à ensilagem ou quando a silagem não tiver sido adequadamente preparada e as espécies de Fusarium puderem continuar a crescer no material ensilado. Mesmo que este mesmo princípio possa ser aplicado às aflatoxinas porque, como se sabe, o A. flavus também pode afetar o milho ainda no campo, poucas vezes isto acontece. Aflatoxinas não deve ser considerada um contaminante importante de silagens. No momento, ela deve ser considerada a principal micotoxina produzida em grãos estocados. 
2. Após a ensilagem (pós-colheita) - Com a modificação do meio ambiente no interior de silagens, outras  espécies que são adaptadas às condições de microaerofilia e alta acidez, podem se desenvolver e produzir suas micotoxinas. Aspergillus fumigatus, Byssochlamys nívea, Monascus spp., Penicillium roquefortii e Trichoderma spp. são os fungos isolados com maior frequência de silagens. Dentre as micotoxinas que produzidas por estes fungos destacam-se a patulina, roquefortinas, fumitremorginas, ácido micofenólico, verruculogem, ácido penicílico, gliotoxina e monoascolinas patulina. 
c) CONCENTRADOS DE GRÃOS - a seleção genética foi, gradativamente, transformando os animais de produção em verdadeiras e potentes máquinas produtoras de alimentos. Vacas que produziam 2, 3 litros de leite por dia, passaram a produzir 20, 30, 40 litros. Os destinados à produção de carne, eram abatidos com cerca de 4 anos e atualmente nem chegam aos 2 anos e com peso superior. Este alto rendimento passou a exigir o fornecimento de alimentos com maior teor de nutrientes, impossível de ser encontrado nas pastagens.  Por este motivo, bovinos de alto rendimento passaram a ser alimentados com suplementação de concentrados de grãos. Com as rações produzidas à base de cereais como milho, trigo, aveia, cevada, centeio e as tortas (subprodutos da indústria de óleo) de soja, amendoim e sementes de girassol e algodão vieram tambem diversas micotoxinas. junto cao as rações, os bovinos passaram também a ingerir aflatoxinas, zearalenona, fumonisinas, ochratoxinas, citrinina, tricotecenos, alcalóides do ergot e diversas outras micotoxinas.

domingo, 11 de março de 2012


MICOTOXINAS-2
Efeitos das micotoxinas sobre ruminantes

Luiz Celso Hygino da Cruz


Introduçāo

Um país dotado de dimensōes continentais e elevada extensão de terras férteis e baratas, é claro que só poderia ter se tornado um país com uma pecuária predominantemente extensiva, com a maior parte de seu plantel bovino mantido em grandes pastagens. Com o crescimento exponencial da populaçāo humana mundial e a demanda crescente por alimentos haverá, em pouco tempo, mudanças radicais nos critérios de ocupaçāo das terras férteis para atender às exigências por mais alimentos numa contínua pressão sobre o setor pecuário. Será vital que os produtores busquem procedimentos alternativos para manter a produção em níveis elevados com  a ocupação de menor extensão de terras e em melhores condições para produzir mais, melhor e mais barato. Continuar criando animais em extensas pastagens vai ser cada vez mais difícil porque, gradativamente,  as terras irão se tornar mais disputadas e muito mais caras. Num futuro próximo será necessário criar um maior número de animais em espaços cada vez menores. Sem qualquer sombra de dúvida, será um grande desafio para geneticistas, fisiologistas, nutricionistas e outros especialistas envolvidos na criaçāo de animais de produçāo. A maioria dos profissionais atualmente envolvidos deve concordar em pelo menos um aspecto, em relativamente pouco tempo, não será mais possível manter as nossas grandes criações extensivas de bovinos. Será indispensável introduzir em grande escala os sistemas de confinamento com  alimentaçāo baseada em concentrados à base de grāos ou encontrar outra alternativa que seja mais criativa e eficiente. 
Apropriadamente, o estômago dos ruminantes é denominado de fermentador anaeróbio porque em seu interior, uma população microbiana mista processa os alimentos (capim) ingeridos pelo animal e os transforma em uma mistura de pequenas moléculas que podem ser absorvidas e utilizadas em seus processos metabólicos.
Como já se sabe, ao se promover mudanças na composição da base alimentar dos ruminantes, poderá ocorrer uma mudança importante na fisiologia do rúmen. Esse órgāo foi concebido pela natureza para processar vegetais ricos em celulose utilizando uma diversificada populaçāo microbiana (bactérias e protozoários). Através de um complexo sistema metabólico microbiano, a celulose e outros componentes presentes nas plantas sāo biotransformados em nutrientes que são aproveitados pelo organismo animal para sintetizar os componentes químicos essenciais ao seu organismo. As bactérias são mais numerosas e participam de cerca de 80% dos processos de biotransformação que acontecem no estômago, os restantes 20% são realizados pelos protozoários.
Se parte fundamental da microbiota residente no estômago dos ruminantes é celulolítica, o que poderia acontecer se o animal deixasse de comer capim que é rico em celulose e passasse a ser alimentado com cereais que são ricos em carboidratos? A população microbiana residente no rúmen e retículo irá se manter inalterada ou será substituída por outra, parcial ou totalmente? Como ela irá se comportar? E se o se o animal for alimentado ao mesmo tempo com capim e raçāo o que poderá acontecer ao animal, se a raçāo contiver uma micotoxina? 
Se a fisiologia da nutriçāo dos ruminantes é fundamentada na fisiologia dos microorganismos que vivem em seu rúmen e retículo,  uma interferência na vida desses seres microscópicos poderá trazer consequências imprevisíveis sobre o desempenho produtivo do animal. 
Os micoorganismos produzem ácidos graxos voláteis de cadeia curta (ác. acético: 60 a 70% + ác.propiônico: 15 a 20% e ác. butírico: 10 a 15%), além de dióxido de carbono, amônia e metano.  Algumas bactérias no rúmen podem sintetizar componentes celulares nitrogenados a partir da amônia presente no fluido ruminal. Já os protozoários, são conhecidos por sua capacidade de englobarem bactérias, promoverem a sua destruição por lise para aproveitarem os seus componentes químicos como nutrientes, além de também utilizarem os componentes da dieta do animal para a obtenção de moléculas indispensáveis à biossíntese de seus próprios componentes orgânicos.  Portanto, os protozoários, tanto podem se nutrir dos componentes da dieta fornecida ao animal, como também são capaz de utilizarem das bactérias que se desenvolvem no fluido ruminal como fonte de nutrientes. 
Os protozoários do gênero Entodiniomorphos degradam alimentos fibrosos enquanto os do gênero Holotrichas degradam carboidratos. Os microorganismos que participam dos processos fermentativos no rúmen têm vida curta, mas a população microbiana viável se mantém quantitativamente estável, significando dizer que novas células vão surgindo enquanto um número equivalente morre. As que morrem, sofrem lise por ação da lisozima presente no abomaso com liberação de seus componentes químicos. Aqueles  microorganismos que permanecem viáveis e acompanham o bolo alimentar que passa para o intestino, também morrem e liberam seus componentes celulares. Proteínas, lipídios, polissacarídios e vitaminas que são liberados das células microbianas lisadas serão, em seguida, metabolizados e aproveitados como nutrientes.  


Micotoxinas e rúmen - Com exceção das aves e, em menor extensão dos suínos, nos quais os efeitos patogênicos das micotoxinas são estudados em experimentos realizados diretamente com eles, para os outros animais é mais comum fazer a extrapolação de resultados obtidos com animais de laboratório. É sabido que os efeitos das micotoxinas sobre os animais pode variar de acordo com a espécie, idade, sexo, estado fisiológico, forma de exposição, condições de criação, etc. Se, normalmente, a extrapolação de resultados deve ser feita com muito cuidado, quando se trata de ruminantes essa prática precisa considerar que a fisiologia de sua nutrição é bem diferente da de todos os outros animais. Possuindo um estômago compartimentalizado onde predomina o rúmen que é um grande fermentador anaeróbico, o aproveitamento dos alimentos vegetais é dependente da ação dos microorganismos ali residentes. Estes, ao degradarem os alimentos ingeridos, liberam ácidos graxos voláteis que são a principal fonte energética dos ruminantes. A introdução  de qualquer fator que possa interferir na viabilidade desses microorganismos poderá refletir negativamente sobre o desempenho animal e, como se sabe, algumas micotoxinas são microbicidas ou microbiostáticas, ou seja, elas atuam como antibióticos impedindo o crescimento ou matando bactérias. Isto quer dizer que, além de produzirem os efeitos tóxicos sobre órgãos ou tecidos, observados em outras espécies animais, ainda há de se considerar os efeitos resultantes dos distúrbios provenientes da ação antimicrobiana e seus reflexos no desenvolvimento animal.
Ao se analisar as interrelações entre micotoxinas e os microorganismos do rúmen, de imediato, deve-se considerar dois aspectos principais:
1. A capacidade de bactérias agirem sobre algumas micotoxinas, biotransformando-as em metabólitos desprovidos de toxicidade. Considera-se que os protozoários do rúmen  têm capacidade mais acentuada de metabolizarem moléculas de micotoxinas do que as bactérias. Mas, por outro lado, os protozoários são mais sensíveis ao poder antimicrobiano que algumas micotoxinas possuem.  
2. Que certos microorganismos residentes no rúmen são sensíveis a algumas  das micotoxinas.

1. Degradação de micotoxinas no rúmen.
É amplamente reconhecido pelos profissionais da área de saúde animal que os ruminantes têm menor susceptibilidade à ação das micotoxinas do que os  animais monogástricos como as aves e os suínos, por exemplo. Acredita-se que os ruminantes sejam menos susceptíveis aos efeitos danosos de algumas micotoxinas porque certos microorganismos residentes no rúmen teriam a capacidade de metabolizar e inativar micotoxinas. Ocorre, porém, que alguns dos metabólitos surgidos durante a  metabolização de uma determinada micotoxina podem ter sua toxicidade igual ou superior ao da própria micotoxina  que foi biotransformada. Há, também, aquelas micotoxinas que podem passar pelos compartimentos estomacais sem sofrerem qualquer alteração metabólica por parte dos microorganismos que fazem parte da microbiota residente. 


OCRATOXINA (OTA)  
No rúmen, a Ocratoxina A tem a sua atividade tóxica quase totalmente reduzida ao ser hidrolisada, pela ação dos protozoários presentes no rúmen, em alfa-ocratoxina e fenilanina. Este processo é capaz de inativar uma concentração tão alta quanto 12 mg/Kg de alimentos. Entretanto, a capacidade inativadora, que é dependente dos protozoários, pode ser reduzida quando se promove alterações na dieta com a utilização de concentrados ricos em proteínas em substituição ao feno. Com uma dieta composta só de feno, o pH do fluido ruminal será neutro e irá se tornar gradativamente mais ácido à medida em que o feno for substituido por concentrado. Quanto mais ácido for o fluido ruminal, maior será o tempo necessário para a inativação da OTA. 

TRICOTECENOS 
Através da hidrólise ou da redução enzimática, os tricotecenos T-2 toxina, HT-2 toxina, deoxinivalenol (DON) e diacetoxiscirpenol (DAS) podem ser degradados de forma variável no rúmen. 
DON é quase totalmente biotransformado pela microbiota ruminal em epoxi-deoxinivalenol (DOM-1) que é uma forma quase atóxica para os ruminantes. 
TOXINA T-2 e DAS - A toxina T-2 é utilizada como fonte de energia por bactérias do rúmen (Anaerovibrio lipolytica, Butyrivibrio fibrisolvens e Selenomonas ruminantium) e, por isso, elas são inativadas. Os protozoários do rúmen que são os maiores degradadores das toxinas T-2 e DAS, podem reduzir em cerca de 90%  os níveis destas micotoxinas no fluido ruminal. 
DAS, através de reações de deacetilação, é transformada em MAS (monoacetoxiscirpenol) e cispenetriol e depois em de-epoxi MAS e de-epoxiscirpenetriol.
T-2 é convertida a HT-2 e  NEO (neosolaniol), que possuem cerca de um décimo da atividade tóxica da micotoxina original. 
Em todas as situações em que houver uma ação biotransformadora de um dos tricotecenos, o processo necessitará atingir a forma de de-epoxi para que a desativação da micotoxina seja completada. Se resíduos de qualquer um dos intermediários no processo persistir, ele poderá ser tão ou mais tóxico que a micotoxina original. 


AFLATOXINAS 
Ao contrário de outras micotoxinas, as aflatoxinas passam pelo rúmen praticamente sem sofrerem qualquer alteração provocada pelos microorganismos residentes. Só uma pequena parcela, inferior a 10% do total de aflatoxina ingerida junto à dieta, pode ser biotransformada em aflatoxicol.  Além de ser mínimo o percentual de biotransformação microbiana das aflatoxinas, o subproduto gerado, o aflatoxicol, ainda mantém o mesmo poder tóxico da molécula original de aflatoxina. Sendo assim, não há qualquer mecanismo de bioproteção por parte da microbiota ruminal em relação às aflatoxinas. Grande parte das  aflatoxinas ingeridas passará junto com o bolo alimentar para o intestino, onde serão absorvidas por difusão passiva. 

ZEARALENONA

  1. Microorganismos do rúmen, especialmente, os protozoários, promovem a conversão de cerca de 90% do total de Zearalenona em alfa-zearalenol e em uma pequena proporção de beta-zearalenol. Apesar do zearalenol ser considerado ter um poder estrogênico maior que o da zearalenona, seu efeito tóxico, entretanto, é menor porque, além de ser menos absorvido, ele será, em grande parte, convertido a  beta-zearalenol no fígado. O beta-zearalenol apresenta atividade tóxica sobre as células endometriais, mas sua afinidade para os resceptores estrogênicos é muito pequena.
  2. No rúmen, tanto a zearalenona quanto o alfa-zearalenol, podem ser convertido por hidrogenação a um composto denominado de zeranol, um hormônio estrogênico, utilizado pelos criadores de gado de corte como estimulantes do crescimento.


                                                                         FUMONISINAS
As poucas informações disponíveis na literatura indicam que a Fumonisina B1 passa pelo rúmen praticamente sem sofrer qualquer alteração provocada pela microbiota residente.

segunda-feira, 5 de março de 2012


MICOTOXINAS-1


Fontes de proteínas destinadas à alimentação do homem e dos animais devem estar livres de contaminantes químicos naturais ou sintéticos capazes de provocarem efeitos adversos à saúde. Algumas destas substâncias chegam aos alimentos através do próprio homem que as utilizam no combate ás diversas pragas, comuns nas lavouras. Outro importante grupo de contaminantes são os toxicantes não intencionais, assim denominados porque são produzidos naturalmente por micoorganismos, plantas e animais. Neste grupo enquadram-se um conjunto de metabólitos secundários tóxicos produzidos por fungos, as micotoxinas. Estas substâncias estão sendo consideradas pela Organização Mundial de Saúde como poluentes ambientais de importância mundial. Elas compreendem um conjunto complexo de moléculas tóxicas, produzidas por fungos, diferenciando-se das toxinas bacterianas por não serem de natureza protéica e nem imunogênicas. Embora aproximadamente quinhentas sejam atualmente conhecidas, somente algumas delas têm sido amplamente estudadas.
Em populações humanas onde predominam a fome e a pobreza, o consumo de alimentos contaminados com micotoxinas é muitas vezes, ignorado. Atualmente, estima-se que um em cada cinco habitantes da terra (aproximadamente um bilhão de pessoas) viva em condições de extrema pobreza. A cada oito segundos morre uma criança por doenças associadas à miséria (principalmente parasitoses) e à subnutrição (uma em cada três crianças do mundo). Nos países em desenvolvimento, a pobreza é a principal responsável pela falta de condições mínimas de higiene (água potável, medicamentos e instalações sanitárias).  Estes fatores, sem dúvida, contribuem para o aumento da mortalidade e tornam o estudo das micotoxicoses um tema complexo e desafiador. 
A presença de micotoxinas em grãos, além de refletir negativamente sobre a exportação, causa importantes prejuízos à pecuária, especialmente à suinocultura e avicultura. Enormes perdas econômicas são decorrentes da utilização de alimentos contaminados por estas substâncias tóxicas. Quando não provocam a morte dos animais em processos de intoxicação aguda, as micotoxinas determinam redução de peso, diminuição da postura e da conversão alimentar, aumento da suscetibilidade às doenças infecciosas e parasitárias, além de causarem problemas reprodutivos. 
Estes problemas são mais acentuados nos países de clima tropical úmido, os quais reúnem as condições ambientais adequadas ao desenvolvimento dos fungos. A ocorrência de micotoxicoses entre os animais domésticos pode ser  um reflexo do sistema produtivo adotado pelos criadores.  Quanto mais ele torna evoluído, maior é a utilização de alimentação concentrada à base de grãos, tornando maior a probabilidade de intoxicação pelas micotoxinas. De maneira geral, os cereais produzidos em regiões quentes e úmidas, com predominância de técnicas agrícolas deficientes e armazenamento inadequado e insuficiente, são mais sujeitos à proliferação de fungos e a consequente produção de micotoxinas.
Numerosas espécies fúngicas são hoje, reconhecidas como produtoras de uma ou mais micotoxinas e um grande número destes metabólitos tóxicos já foram identificados e caracterizados como substâncias produzidas em contaminações naturais de grãos e outros alimentos. 
Caracterizar a micobiota toxígena presente na superfície dos grãos pode ter seu valor epidemiológico e ser importante para a adoção de medidas preventivas, entretanto, conclusões definitivas sobre a etiologia da intoxicação somente podem ser deduzidas após a extração e identificação da micotoxina envolvida porque é necessário considerar que:
1. a simples presença de um fungo toxígeno não assegura que uma micotoxina esteja presente;
2. a ausência de fungos toxígenos não garante um produto isento de contaminação por micotoxinas, porque a micotoxina pode persistir mesmo que o fungo já tenha sido eliminado;
3. muitas vezes os fungos produzem mais de uma micotoxina;
4. uma determinada micotoxina pode ser produzida por mais de um gênero de fungos.

As micotoxinas entram na dieta dos animais através da utilização de rações elaboradas com grãos já contaminados por toxinas ou de rações estocadas sob condições inadequadas. De maneira geral, os grãos possuem elementos fúngicos (conídios) em sua superfície, os quais permanecerão em estado de latência se as condições ambientais (temperatura, umidade relativa e atividade de água) permanecerem impróprias ao seu desenvolvimento. 
Sob condições favoráveis de temperatura e umidade, os conídios dos fungos germinam, formam hifas e, ao desenvolverem seu micélio sobre a superfície dos grãos,
 a) reduzem o seu valor nutritivo porque utilizam parte dos nutrientes para o seu próprio crescimento; 
b) aumenta os riscos de ocorrência de infecções pulmonares causadas por espécies patogênicas, como é o caso do Aspergillus fumigatus; 
c) se o fungo for toxígeno, diversas micotoxinas podem surgir como contaminantes, provocando graves problemas de intoxicação aguda ou crônica. 
Diversos gêneros de fungos contaminantes comuns de nossos produtos agrícolas são produtores de micotoxinas importantes em patologia animal. Dentre eles destacam-se os gêneros Aspergillus, Penicillium, Fusarium, Alternaria, Claviceps, Stachibotrys, Phoma, Mirothecium e Pithomyces, com várias espécies toxígenas capazes de crescerem em diversos substratos e sob condições as mais variadas (pH, umidade, temperatura, aeração, etc.). Os fungos podem contaminar os alimentos em qualquer momento da produção, transporte, estocagem ou industrialização, havendo necessidade de uma interação entre o fungo, o substrato e as condições ambientais.  Desta maneira, as micotoxinas podem ser produzidas quando o produto ainda se encontra no campo, antes mesmo de sua colheita e, até mesmo antes de sua formação, quando o fungo pode penetrar através da flor. Conceitos até então considerados clássicos foram revistos à luz de novas observações. Por exemplo, as aflatoxinas consideradas um produto do metabolismo secundário de Aspergillus elaborado somente em produtos agrícolas estocados, pode ser também produzido antes da colheita dos grãos, porque o fungo pode atingi-los, penetrando através da flor. Inegavelmente, entretanto, a contaminação ocorre com mais frequência no período pós-colheita,
1) quando a secagem dos grãos é retardada ou não é feita adequadamente;
2) durante o seu transporte sob condições inadequadas, em caminhões ou trens que, ao permanecerem expostos ao sol têm a carga aquecida, provocando a formação de correntes de convexão e o consequente deslocamento de vapores  d'água das áreas mais quentes da carga para as regiões mais frias. Nestes locais, ocorre a condensação dos vapores de água com aumento da umidade local, criando as condições para o desenvolvimento de fungos e a produção de micotoxinas. A solução para este problema é a adoção de um sistema de aeração adaptável à carroceria do caminhão ou trem;
3) durante a armazenagem do produto agrícola que necessita ser feito com sistemas eficientes de aeração, controle de temperatura e da contaminação por insetos;
4) no processamento industrial, quando o produto pode ser contaminado por sobras contaminadas de outros produtos anteriormente processados;
5) durante a estocagem na fazenda do produto industrializado (rações, por exemplo).